O Supremo Tribunal Federal (STF) é há muito uma fogueira de vaidades, cujas chamas escondem-se debaixo da sisudez das togas, mas agora as labaredas ultrapassam os limites do bom senso. Por lá, na suposta trincheira da Carta Magna, um não aceita que outro tome para si o holofote da opinião pública, pois a luz o histrionismo não pode ser apagada.
Entre discursos rocambolescos, sempre marcados pelo “juridiquês” e socorridos por expressões em latim, ministros tentam dar às decisões da Corte explicações nada convincentes. Rodopiando em torno de palavras como um cambaleante frango de jacá – isso só os caipiras de fato conhecem –, os magistrados sequer conseguem convencer a si próprios.
Falam aos bolhões como forma de manter a aura bisonha que recobre a máxima instância da Justiça verde-loura, sem que a verdade venha à lume como deveria ocorrer em uma dita democracia.
Nesta quinta-feira (15), o ministro Gilmar Mendes criticou a decisão do colega Luiz Fux, que na noite anterior anulou a votação da Câmara dos Deputados sobre o projeto das dez medidas contra a corrupção. Fux determinou que o projeto, que está no Senado, seja devolvido à Câmara para ser analisado e votado novamente, processo que deverá começar do zero.
Gilmar afirmou que o Supremo precisa refletir sobre a decisão, porém não chegou a cobrar que seja levada ao plenário da Corte. Os presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), também prometeram recorrer da decisão liminar de Fux, concedida com base em pedido formulado pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSC-SP).
“Vivemos momentos esquisitos. A toda hora é um surto decisório que não corresponde às nossas tradições. Em geral éramos árbitros em processos de conflito e não atores ou causadores de conflitos. Então acho que nós temos que refletir muito sobre isso e respeitar a harmonia e independência entre poderes”, disse Gilmar, após café da manhã com deputados que compõem a Comissão de Reforma Política da Câmara.
O ministro ressaltou que o STF precisa “permitir que as coisas funcionem com a dinâmica que elas próprias têm”. “Eu nunca vi falar que uma proposta que chega no Congresso não pode ser modificada. Então torna-se o Congresso dispensável”, afirmou Gilmar, ladeado de Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), presidente da Comissão de Reforma Política da Câmara.
“Não sei se é a água que estamos bebendo no tribunal, ou seja lá o que for, mas vivemos momentos esquisitos e temos que ser mais cuidadosos”, frisou.
Gilmar também ironizou a decisão de Luiz Fux, assim como havia ironizado a liminar do ministro Marco Aurélio Mello que determinava o afastamento de Renan Calheiros da presidência do Senado. Ele inclusive chegou a sugerir o impeachment de Mello, para depois dizer que o comentário não passava de uma brincadeira.
Já Renan Calheiros afirmou que a decisão de Fux “invade a competência do processo legislativo” e que vai mobilizar a Advocacia-Geral do Senado para “desfazer” a decisão, que classificou como “indefensável”.
Se a água servida aos ministros do STF está contaminada ninguém sabe, mas é preciso reconhecer que há um movimento declarado no Parlamento brasileiro impor ao País uma “corruptocracia” ou, como queiram, uma ditadura da corrupção. E isso só será possível com a implosão da Operação Lava-Jato, o fim do combate à corrupção e a aprovação de lei que penaliza o alegado abuso de autoridade.
É importante frisar que o pacote de medidas contra a corrupção apresentado pelo Ministério Público Federal é uma aberração legislativa, pois não apenas o País já tem leis para enfrentar essa chaga, como não cabe aos procuradores esse tipo de ação. Até porque, o MPF não é partido político. O pacote de medidas serviu para que os parlamentares incluíssem no projeto a punição a juízes, procuradores e promotores.
Se o referido projeto é de iniciativa popular, que o mesmo tramite de acordo com o que determina a legislação vigente e os regimentos internos da Câmara e do Senado. E é exatamente nesse ponto que está embasada a decisão do ministro Luiz Fux. Destarte, se exigir coerência e respeito ao regimento no âmbito da tramitação do projeto é ingerência de um Poder em outro, então é melhor anular todas as decisões do Parlamento tomadas à sombra de uma ajuda do Supremo.
O ministro pode falar à vontade sobre esquisitices, mas não se pode defender a permanência de um réu em ação penal no comando do Senado, enquanto critica-se uma decisão que determina a tramitação dentro da legalidade de um projeto de combate à corrupção.
Gilmar Mendes, de carona na ironia, alega que o STF vive “momentos esquisitos” e que por lá até a água está “batizada”, mas, contaminações hídricas à parte, o Brasil não pode ignorar os dois habeas corpus concedidos, de maneira sequencial, a um conhecido banqueiro oportunista que não aceitou a ideia de ser preso na esteira da Operação Satiagraha e muito menos de ser algemado. Em suma, quando o assunto é esquisitices, Gilmar Mendes é professor da matéria.