Malabarismo interpretativo da lei adia decisão sobre réu na linha sucessória da Presidência da República

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Supõe-se, com base no que determina a legislação vigente, que um indicado ao Supremo Tribunal Federal (STF) deve preencher alguns requisitos, dentre os quais o de notório saber jurídico. Mas não é dessa forma que, após a indicação e tomada de posse, alguns magistrados mostram-se em muitas decisões da Corte. Isso porque algumas interpretações convenientes da lei fazem do Brasil um reduto da insegurança jurídica, despertando inclusive a desconfiança do investidor estrangeiro.

Nesta quarta-feira (1), ao retomar os trabalhos, o STF, após merecida homenagem ao ministro Teori Zavascki, falecido a 19 de fevereiro em acidente aéreo na cidade de Paraty, no litoral sul fluminense, recolocou em votação a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) sobre a participação de réu em ação penal na linha sucessória da Presidência da República.

O tema já havia sido discutido no plenário da Corte, faltando poucos dias para o recesso do Congresso Nacional, mas a indefinição que pairou sobre a matéria permitiu que Renan Calheiros (PMDB-AL) continuasse como presidente do Senado, cargo do qual se despede nesta quarta-feira. Renan responde a doze processos no STF, sendo quem alguns de natureza penal.

Por ocasião da primeira análise da ADPF protocolada pela Rede Sustentabilidade, suspensa por pedido de vista do ministro Dias Toffoli, já havia maioria favorável à proibição. Na sessão desta quarta, depois do voto dos ministros Toffoli e Ricardo Lewandowski, favoráveis à permanência do réu no cargo sem o direito de substituir o presidente da República, o ministro Gilmar Mendes apresentou pedido de vista, o que adiou novamente a decisão sobre a matéria.

Mendes alegou que quanto mais conversa com os colegas de Corte sobre o assunto, mais confuso fica. Não há mistério algum no caminho da interpretação da lei e de suas claras determinações. Gilmar Mendes disse que a Constituição Federal trata do presidente da República no âmbito do tema, mas a mesma é “lacunosa” em relação aos seus sucessores ou substitutos no cargo.


Os ministros Marco Aurélio Mello, Luiz Edson Fachin, Teori Zavascki (falecido, mas o voto conta), Rosa Weber e Luiz Fux votaram pela proibição de réus em ação penal ocuparem cargos que figuram na linha sucessória presidencial. Os ministros Celso de Mello, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski votaram pela permanência no cargo, sem o direito de substituir o presidente da República.

O País deveria ter uma Corte Suprema formada por “garantistas” ou “textualistas”, como queiram, mas ao contrário tem um palco judiciário em que os salamaleques interpretativos da lei geram preocupação na opinião pública. Afinal, o STF continua fazendo enorme esforço para proteger políticos nada republicanos, que em qualquer país minimamente sério já estariam atrás das grades.

Sabem os brasileiros bem-intencionados que não cabe discussão mirabolante sobre tema em questão, assim como não espaço para devaneios filosóficos, mesmo que a Carta Magna seja “lacunosa”. Basta bom senso ao decidir, pois se ao presidente da República é vedada a condição de réu em ação penal, aos seus substitutos vale a mesma regra.

O que depreende-se do impasse gerado pelo STF é que, no campo da analogia, caso o padre da paróquia mais próxima se ausentar da labuta ou vir a faltar não haverá problema se o mesmo for substituído por um anticristo. O que está escrito na lei não carece de malabarismos interpretativos para que a mesma seja cumprida. Até porque, na agência bancária o caixa pagará ao portador o valor grafado no cheque, desde que haja fundos para tal.

Em outras palavras, o impasse que ronda a mencionada ADPF serve apenas para beneficiar alguns políticos. Eunício Oliveira, senador pelo PMDB do Ceará e que deve ser eleito presidente do Senado nas próximas horas, não é réu em ação penal. Porém, seu nome consta de algumas das muitas delações da Odebrecht, o que o coloca na rota para tornar-se alvo de processo criminal. No momento em que vive a mais profunda crise de sua história, o Brasil não precisa de mais polêmicas para piorar o que já é ruim.

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