Quando o UCHO.INFO afirmou que em dado momento as investigações da Operação Lava-Jato adotaram o estilo das bailarinas do Moulin Rouge, casa de espetáculos parisiense que remete à boemia do tempos da “Belle Époque”, não foi exagero, mas um alerta para o perigo que começava a rondar o trabalho de decifrar o maior esquema de corrupção de todos os tempos.
Coordenador da atuação do Ministério Público Federal na Operação Lava-Jato, em Curitiba, o procurador Deltan Dallagnol começa a abusar do estrelato, como se o trabalho que vem desempenhando não fizesse parte de suas atribuições como servidor público.
Em livro (“As lógicas das provas no processo – Prova direta, indícios e presunções”), Dallagnol externa seu radicalismo jurídico em relação às provas em processo penal. O procurador da Lava-Jato defende, no livro que é fruto de tese de mestrado na Harvard Law School (Universidade de Cambridge), a tese de que “provar é argumentar”. Ou seja, para Dallagnol a argumentação é suficiente para condenação no âmbito penal. O grande perigo que brota do Judiciário brasileiro é o devaneio interpretativo dos magistrados, que a cada momento decidem com base em novas teorias filosóficas.
Ao que se sabe, no Direito não há condenação sem prova, mas no Brasil esse assunto, devidamente pacificado, foi mandado pelos ares sem qualquer explicação convincente. O que compromete sobremaneira condenações decididas à sombra de teorias marcadas pelo delírio jurídico.
Deltan Dallagnol vai adiante, em trecho de sua obra, e crítica a ministra Cármen Lúcia, atual presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), que na Ação Penal 470 (Mensalão do PT) afirmou que “a condenação em processo penal exige juízo de certeza, não bastando a ausência de dúvida razoável sobre a existência do fato imputado ao agente”. E Dallagnol é um entusiasta do conceito de que “basta uma prova para além de dúvida razoável” para condenar. Em suma, o que está na lei não vale, mas, sim, a interpretação conveniente da mesma.
Não bastasse essa afirmação preocupante, Deltan Dallagnol destila apreensão diante da indicação do substituto do ministro Teori Zavascki no STF. O procurador federal alega que preocupa a possibilidade de o STF recuar sobre a prisão de réus com sentença condenatória proferida em segunda instância.
Em 2016, a Suprema Corte decidiu, por 6 votos a favor e 5 contra, que é possível a prisão nessas condições. Como o ministro Teori estava entre os defensores da tese, a decisão poderá ser mudada com a chegada do substituto. “O novo ministro pode inverter o placar”, disse o procurador.
Reza a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LVI, estabelece: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. Pois bem, o que Dallagnol tenta com sua preocupação é não apenas defender a manutenção da decisão tomada pelo STF, mas garantir a prisão de condenados em segunda instância, ao arrepio do que determina a Carta Magna. Em primeiro lugar é preciso ressaltar que o STF decidiu que é possível, não obrigatória, a prisão após sentença condenatória proferida em segunda instância.
Ademais, como contraponto ao “pé de cabra” que os investigadores da Lava-Jato empunham há algum tempo, o Ministério Público Federal durante muito tempo ignorou as denúncias sobre o ousado esquema de corrupção arquitetado pelo então deputado federal José Janene (já falecido), que hoje é conhecido como Petrolão. Não fossem a coragem do empresário Hermes Magnus e a insistência do UCHO.INFO, a roubalheira institucionalizada ainda estaria correndo solta.
É preciso que o Judiciário não fuja do caminho do estrito cumprimento legal, sob pena de o Brasil transformar-se em território marcado pela insegurança jurídica. Não se trata de poupar os responsáveis pelo acintoso esquema de corrupção, mas de condenar com base na legislação vigente. Se os envolvidos merecem penas mais duras do que permite a legislação atual, que a mesma seja alterada com a necessária celeridade.