Aproveitando que o Brasil – país de primeiro mundo que não tem problemas econômicos, políticos e sociais – aproxima-se do Carnaval, não é errado afirmar que o governo do presidente Michel Temer é uma verdadeira troça.
Querendo explicar o inexplicável, como se o Palácio do Planalto fosse reduto da moralidade pública, o chefe da Casa Civil da Presidência, ministro Eliseu Padilha, abusou da desfaçatez ao afirmar que o “toma lá, dá cá” é “normal em todas as democracias”. Em outras palavras, Padilha defendeu o escambo político que garante ao governo apoio no Congresso nacional, onde reina o fisiologismo e a bandalheira institucionalizada.
Mesmo que absurda, a declaração de Eliseu Padilha serviu para explicar a indicação do deputado federal Ricardo Barros (PP-PR) para o Ministério da Saúde. Em muitas das democracias onde é normal a troca de cargos por apoio político, indicações ocorrem com base na competência dos indicados. Em suma, de forma análoga, é inaceitável colocar o pipoqueiro da esquina para comandar um programa espacial, por exemplo.
Quando dava os primeiros passos para assumir o governo, ainda como interino, Michel Temer garantiu que a equipe ministerial seria formada por “notáveis”. O presidente da República só não explicou se tal a notabilidade poderia ser na área da ilegalidade.
No momento em que a escolha do ministro da Saúde entrou na pauta de discussões do núcleo mais próximo de Temer, um conhecido médico paulistano foi consultado, mas o vazamento da notícia acabou rifando o candidato.
Considerando que o governo é refém do Congresso, a saída foi, mais uma vez, defender o presidencialismo de coalizão como forma de justificar o loteamento da Esplanada dos Ministérios. Foi a partir dessa dependência do Parlamento que o governo Temer resolveu consultar o Partido Progressista sobre quem seria o próximo ministro da Saúde. Passados alguns dias, o PP indicou Ricardo Barros como sendo o “notável” da legenda.
É fato que todo ministério dispõe de uma equipe executiva que garante o funcionamento da pasta, mas é preciso que o titular da mesma compreenda minimamente sobre o assunto pelo qual terá de responder como ministro de Estado. Do contrário, a chance de a gestão fracassar é enorme.
Ricardo Barros, o notável (sic) do PP, é engenheiro, especializado no milagre da multiplicação. Recentemente, seu nome surgiu em um escândalo que tem como pano de fundo a aquisição de terreno avaliado em R$ 56 milhões, trinta vezes o patrimônio declarado pelo ministro à Justiça Eleitoral. Barros não consta mais como sócio do terreno em Marialva, cidade do interior paranaense, mas herdou os desdobramentos da confusão, algo corriqueiro na política nacional.
O “notável” do PP
Contudo, Eliseu Padilha tem razão quando afirma que a escolha de um ministro, mesmo que debaixo de indicação política, precisa estar à sombra da competência do indicado para o cargo. Ricardo Barros, então prefeito de Maringá, foi condenado em 1990 por fraude na venda de coletores e compactadores de lixo que seriam vendidos. Para avaliar o preço de venda dos equipamentos, Barros criou uma comissão, sendo um dos três integrantes acabou sendo o comprador. Traduzindo para o velho idioma dessa barafunda chamada Brasil, o bem público foi vendido por um preço escolhido pelo comprador.
Em 2011, Ricardo Barros, à época secretário de Indústria e Comércio do Paraná, foi flagrado em conversas telefônicas em que sugeriu a Leopoldo Fiewski, então secretario municipal de Saneamento de Maringá – Silvio Barro, irmão de Ricardo, era o prefeito à época –, a simulação encontro de para negociar acordo entre as duas agências de comunicação que participavam de processo licitatório para a publicidade da administração municipal. Na ocasião, o contrato era de R$ 7,5 milhões.
Na conversa com Fiewski, o agora ministro da Saúde afirmou: “era pra ser filha única”, “não gosto de amador”, “eu queria que você promovesse uma conversa dos dois [concorrentes]” e “aí quem sabe fazemos uma solução salomônica aí”.
Para o Ministério Público do Paraná, Ricardo Barros atuou para direcionar a licitação em favor da Meta Publicidade, de Maringá, contra a Trade Comunicação, de Curitiba. Ao final da concorrência, a Meta, que desde 2005 tinha contrato com a prefeitura e já havia prestado serviço a campanhas eleitorais de Silvio Barros, sagrou-se vencedora. A Trade não recorreu da decisão, mesmo tendo esse direito. O que permite concluir que a tal “solução salomônica” acabou acontecendo.
Em outubro de 2015, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou pedido para arquivar o inquérito sobre a licitação em Maringá. Em sua decisão, Fux destacou que não havia motivos para o arquivamento do caso, pois as investigações realizadas até então não comprovaram a inexistência de irregularidades na licitação.
“Verifica-se que, ao menos numa análise prefacial, há indícios que demandam esclarecimentos através das diligências já em curso e a serem realizadas, conforme esclarecimentos do Ministério Público Federal. Assim, o trancamento do feito revelar-se-ia precipitado, ante a imprescindibilidade de esgotar os meios de investigação indicados pelos órgãos incumbidos da persecução penal”, escreveu Fux.
Para completar esse currículo, que está mais para folha corrida, Ricardo Barros foi tesoureiro nacional do PP, um dos partidos mais encrencados na Operação Lava-Jato.
Quando o presidente da República, no afã de blindar Moreira Franco, disse que qualquer ministro denunciado pelo MPF seria afastado temporariamente, sendo que no caso daqueles que tornarem-se réus em ações penais o afastamento será definitivo, Temer restringiu a regra à Lava-Jato, pois do contrário Ricardo Barros teria de ser despejado do Ministério da Saúde. Comandar a pasta deve ser um negócio tão espetacular e rendoso, que alguns integrantes do PP já começam a tramar nos bastidores a queda de Barros, que só não caiu porque sua permanência no cargo entrou como moeda de troca na reeleição de Rodrigo Maia à presidência da Câmara dos Deputados.
Um dos que estão de olho na cadeira de Barros é o deputado federal Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que já comandou o Ministério das Cidades, depois da queda do correligionário Mario Negromonte (PP-BA). Investigado na Operação Lava-Jato por envolvimento no esquema de corrupção conhecido como Petrolão, Aguinaldo Ribeiro foi acusado de usar verba do seu gabinete para comprar notícias favoráveis a ele.