O peso do consumidor e as estripulias da ANAC

(*) Rizzatto Nunes

Meu amigo Outrem Ego veio com esta:

“Do jeito como as coisas estão correndo, brevemente este será o diálogo que se travará num balcão de companhia aérea para o despacho de embarque:

– Bom dia! Por favor, seu ticket…Vai viajar para onde?

– Eu e minha esposa vamos para Paris. Eis nossos tickets.

– Muito bem, Sr. João, pode subir na balança… Ah, o senhor pesa 90 quilos. Então, não tem direito a franquia de bagagem… Agora, a senhora dona Clara, pode subir. Sim, 60 quilos. A senhora tem direito a uma mala com vinte quilos.

Dona Clara, então, virou-se para o marido e falou:

– Viu João, como vale a pena fazer regime!”

Meu amigo propôs uma discussão. Disse: “Uma família viajando junta, digamos, um casal e dois adolescentes com 13 e 14 anos, pesa (em regra) muito menos que quatro adultos, mas paga o mesmo preço das passagens. Se é o peso o que importa, deveria pagar menos ou ter mais franquia de quilos nas bagagens”.

Parece justo, mas é deste modo que as pessoas devem ser consideradas? Muitas empresas – aquelas que prestam um mau atendimento – já consideram o consumidor apenas um número. Com esse andar da carruagem, o consumidor será considerado literalmente um peso (E para aquelas outras empresas que prestam um péssimo atendimento no pós-venda, o consumidor é considerado um estorvo!).

Agora o fato da odiosa discriminação: a própria natureza determinaria quanto vale uma pessoa dependendo da altura, do peso dos ossos, da condição de saúde etc.!

E não é que a ANAC conseguiu estragar algo que havia de bom no mercado brasileiro relativamente às bagagens nas viagens aéreas. Vou repetir o que já disse mais de uma vez: não é porque algo é praticado em outros países que deve ser aqui implantado. Nem sempre é o melhor para o consumidor. E este é um bom exemplo disso. Nosso modelo é favorável aos viajantes.

Pelas regras vigentes até o dia 14 deste mês de março, os passageiros têm o direito de despachar itens com até 23 quilos em voos nacionais e dois volumes de 32 quilos cada um em viagens internacionais sem pagar taxas extras. (i)

Segundo a agência reguladora, a medida de liberação do peso das bagagens gerará concorrência entre as companhias áreas, barateando o preço das passagens. Pode ser, mas para tanto é necessário que haja concorrência. Quando mais de uma empresa opera o mesmo trajeto, é possível, mas somente se a demanda for abaixo da oferta. O pior é que, em vários trajetos nacionais e internacionais, os voos são oferecidos por apenas uma empresa. Ou seja: não há concorrência! Por que ela iria baixar o preço mesmo?

Dou alguns exemplos: (estou fazendo “de cabeça”, mas não devo errar muito): a) para Lisboa diretamente, somente a TAP (e recentemente a AZUL, que é do mesmo grupo) é que operam: b) Para Roma, a Alitalia: c) para Atlanta, a Delta; d) Dallas, a American Airlines; etc. Isso tanto é verdade que a TAP já anunciou no último dia 9 a redução do número de malas e dos pesos. Mas, claro, sem qualquer diminuição do preço de suas passagens…

Indagada pela Revista Veja a respeito a Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal em São Paulo contra as novas medidas, a ANAC, em nota, disse que não comenta casos em tramitação e que “fez 28 reuniões com instituições representativas da sociedade, entre as quais entidades de defesa do consumidor; seis reuniões com parlamentares federais; três audiências no Senado; seis reuniões intergovernamentais; uma consulta pública em 2014; e duas audiências públicas, uma em 2013 e outra em 2016, para finalizar o texto das novas regras – que recebeu mais de 1.500 sugestões da sociedade”. (ii)

Espanta o número de sugestões com um resultado, ao menos no ponto das bagagens, tão controverso.

Atualmente, as companhias aéreas cobram para reservar assentos, colocam preços diferentes dependendo do local da poltrona na mesma classe econômica, cobram por alimentos, impõem altas multas para remarcação de voos, enfim, sabe-se lá onde isso irá parar.

Como disse meu amigo Outrem Ego: “Eis um slogan das futuras propagandas das companhias aéreas: ‘Consumidor: vale quanto pesa. Vale mais quem pesa menos.’”

(i) Enquanto escrevia este artigo, foi concedida liminar nos autos da ACP promovida pelo MP Federal de São Paulo suspendendo a medida da ANAC.

(ii) http://veja.abril.com.br/economia/ministerio-publico-entra-na-justica-contra-cobranca-de-bagagens/

(*) Luiz Antônio Rizzatto Nunes é professor de Direito, Mestre e Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); Livre-Docente em Direito do Consumidor pela PUC-SP e Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo.

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