Marca de Ivanka depende de trabalho no exterior, enquanto Trump ameaça empresas que fazem o mesmo

Enquanto Donald Trump ameaça empresas norte-americanas que transferem a produção para o exterior, sua família vem ganhando milhões de dólares justamente com o trabalho de operários mal remunerados que vivem em países da Ásia. Em outras palavras, na Casa Branca não vale o dito popular do “pau que bate em Chico, bate em Francisco”.

Uma extensa reportagem do jornal The Washington Post apontou que a marca de roupas de Ivanka Trump – a filha predileta do presidente dos EUA que vem provocando controvérsia por assumir funções do pai em reuniões internacionais – importou milhões de toneladas de peças de ateliês de confecção baseados em Bangladesh, China e Indonésia.

A marca de Ivanka não importa apenas parte da sua produção, mas concentra quase toda a fabricação no exterior: segundo o jornal, foram mais de 2 mil carregamentos desde 2010. Alguns desses carregamentos estavam a caminho dos EUA no momento em que Donald Trump era empossado presidente. No seu discurso, ele disse que o país precisava seguir duas regras: “comprar de americanos e empregar americanos”.

Além de entrar em contradição com o que seu pai pregou durante a campanha eleitoral, as atividades de Ivanka também podem estar escondendo outros problemas. Segundo o jornal, a marca se recusa a especificar os nomes e locais dos ateliês de confecção.

O custo do preço baixo

Assim como outras empresas de alta-costura, Ivanka Trump fecha contratos com fornecedores que por sua vez terceirizam a produção em países que contam com mão de obra barata – e legislação trabalhista mais frouxa. Isso permite que os custos sejam reduzidos, mas também cria riscos para os trabalhadores.

Bangladesh, por exemplo, é negativamente célebre pelas más condições de trabalho e por acidentes industriais que resultam na morte regular de operários. Em algumas dessas fábricas, os operários – normalmente majoritariamente do sexo feminino – ganham cerca de US$ 1,2 por hora em jornadas que podem durar até 12 horas seis dias por semana.

O jornal aponta ainda o paradoxo entre o discurso e as ações de Ivanka. Recentemente, já na sua posição de auxiliar informal do pai-presidente, ela afirmou em um livro que pretende assumir como “missão de vida” a melhoria das condições de trabalho de mulheres. De acordo com o jornal, a empresa de Ivanka está muito atrás de outras marcas quando se trata de monitorar os fornecedores para evitar a exploração de mão de obra.


“De grandes marcas como Adidas e Kenneth Cole a novas como a californiana Everlane, muitas empresas de roupas baseadas nos EUA fizeram da proteção dos operários uma prioridade nos últimos anos – elas contrataram auditores independentes e pressionaram os donos das fábricas por melhorias”, destaca o jornal. “Mas a marca Trump assumiu uma posição mais distante. Embora executivos digam seguir um código de conduta que proíba abusos físicos e trabalho infantil, a empresa delega aos fornecedores o cumprimento dessa política.”

De acordo com o jornal da capital dos EUA, a decisão de Ivanka Trump de contar com fornecedores estrangeiros atende a uma lógica puramente econômica. Um instituto consultado pela publicação estimou que uma camisa que custa US$ 3,72 para ser produzida em Bangladesh custaria três vezes mais se fosse fabricada nos EUA.

Más condições

A empresa de Ivanka também não parece ter planos para divulgar uma lista das fábricas que produzem sua linha de roupas, mas, por meio de registros de exportação, o diário conseguiu localizar algumas confecções que já forneceram para a marca Trump e conversou com alguns operários. Eles relataram jornadas exaustivas de trabalho, salários de subsistência e abuso por parte de supervisores.

“Meu salário mensal não é suficiente para despesas do dia a dia – e muito menos para o futuro”, disse uma operária de 26 anos de Subang, na Indonésia, que contou ter produzido roupas para a linha de Ivanka. Outro operário contou ganhar apenas US$ 173 por mês produzindo peças que custam facilmente mais de US$ 60 nas lojas.

Nem Ivanka nem Donald Trump comentaram as revelações do The Washington Post. Segundo o jornal, uma das empresas parceiras de Ivanka Trump, chamada G-III, informou que a linha de roupas da filha do presidente gerou mais de 100 milhões de dólares em vendas em 2016.

Abigail Klem, presidente da marca desde o início do ano, afirmou que tem confiança de que os fornecedores trabalham com os “padrões mais altos”. Ela disse ainda que a empresa está estudando como produzir algumas de suas roupas nos EUA, mas disse que a escala da empreitada impede que isso seja feito num futuro próximo. “Os operários especializados não existem mais ou só estão disponíveis em pequeno número, e a maquinaria necessária também não existe mais aqui”, disse.

Segundo o jornal, 97% das roupas e sapatos vendidos nos EUA vêm de países onde os salários são mais baixos e onde as peças podem ser produzidas de modo mais barato. (Com Deutsche Welle)

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