“Já que não tem tu, vai tu mesmo”. O divertido dito popular, usado como expressão do conformismo de ocasião, é a mais perfeita tradução da reforma da Previdência que corre o risco de ser aprovada ainda este ano pelo Congresso Nacional.
Após ser aparada ao longo dos últimos meses, a reforma da Previdência deve chegar ao plenário do Congresso sem pelo menos metade do texto original. O que é ruim para o País, que dentro de cinco anos terá de retomar o assunto, caso aposentados e pensionistas queiram continuar recebendo seus benefícios. E na ocasião o balcão de negócios do Congresso há de ser alargado novamente para recepcionar a lama do escambo criminoso.
O governo do presidente Michel Temer teve condições de aprovar anteriormente a matéria, mas não o fez porque acreditou que seria possível não ceder à pressão dos parlamentares, cada vez mais preocupados com as eleições do próximo ano. Com muitos políticos na berlinda por causa de escândalos de corrupção, manter o chamado foro privilegiado é quase uma obrigação. Afinal, essa prerrogativa permite que deputados e senadores sejam julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o que é parcialmente vantajoso.
O Brasil enfrenta e continuará enfrentando por muito tempo os efeitos colaterais da desastrada política econômica adotada pelo PT (leia-se Lula e Dilma Rousseff), mas os cidadãos preferem não ter olhos para a realidade e nem disposição para sacrifícios que tirem o País do atoleiro.
Como se no caso em questão prevalecesse a tese “farinha pouca, meu pirão primeiro”, os brasileiros creem que ao Estado cabe honrar com os compromissos assumidos, sem direito a explicações sobre tropeços. Manter a Previdência Social nas regras atuais não há problema algum, desde que a população não cobre outras contrapartidas por parte do Estado, pois com o passar dos anos o dinheiro dos impostos será suficiente apenas para pagar os benefícios de aposentados e pensionistas.
Alguém pode afirmar que em direitos adquiridos não se mexe – o Direito garante isso –, mas é importante reconhecer que a grave crise econômica, que produziu uma recessão de três anos e ainda pode patrocinar surpresas, aprofundou o caos que se instalou na Previdência.
Inicialmente, a intenção do governo com a proposta era economizar R$ 800 bilhões ao longo de dez anos. Vencidas as primeiras pressões de parlamentares, a expectativa de econômica caiu para R$ 550 bilhões, mas agora, diante da chantagem de deputados e senadores, o governo poderá economizar R$ 400 bilhões em uma década. O que certamente é uma considerável fortuna, em termos de economia para um País como o Brasil é muito pouco.
O projeto de reforma da Previdência tem um erro capital: não adotar a isonomia no tratamento dos inscritos no programa previdenciário. Suscetível ao lobby e à pressão de alguns setores organizados da sociedade, deputados e senadores passaram a defender interesses difusos, os quais desidrataram o projeto. Militares e servidores públicos, por exemplo, foram poupados total ou parcialmente, como se a Constituição não estabelecesse, em seu artigo 5º (caput), que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.
No momento em que alguns são mais iguais que os outros, não há outro caminho que não aceitar a revolta de uma sociedade diuturnamente vilipendiada em seus direitos. Por outro lado, preocupados com as urnas eleitorais, parlamentares preferem aprovar um arremedo de reforma, quando na verdade deveriam dar ao País condições de crescimento sustentável por pelo menos duas décadas.
Da forma como o Parlamento pretende aprovar a reforma da Previdência, o Brasil continuará avançando na trilha do “faz de conta”. Enquanto isso, com o País andando de lado a maior parte do tempo, militares e servidores públicos são tratados como castas especiais e superiores. Mesmo assim, tem gente que se emociona quando a seleção brasileira entra em campo e o Hino Nacional é entoado aqui e acolá. Triste Brasil!