Fosse o Brasil um país sério e responsável, o ex-procurador Marcelo Miller já estaria preso

Diferentemente do que acredita a opinião pública, a Operação Lava-Jato corre muito mais riscos por causa de posturas bisonhas de alguns investigadores do que pela resistência dos investigados. E quando a imprensa critica essas atitudes que atentam contra a lei, o faz para preservar a investigação e garantir a punição dos culpados. Há na recente história brasileira pelo menos dois exemplos de fracasso no campo investigativo: operações Castelo de Areia e Satiagraha. Ambas foram anuladas por transgressões cometidas por investigadores, não sem antes terem contado com a complacência burra de alguns representantes do Judiciário nacional.

Ex-procurador da República, Marcelo Miller disse aos parlamentares que integram a CPMI da JBS e cometeu “uma lambança” ao ajudar o grupo J&F no acordo de leniência. Na verdade Miller, que integrava o seleto grupo que assessorava o ex-procurador-geral Rodrigo Janot, atuou como agente duplo, especialmente no escândalo envolvendo o presidente da República, Michel Temer, gravado de forma ilegal pelo empresário Joesley Batista.

Quando veio à tona a informação de que Miller estava trabalhando no escritório de advocacia que negociou o acordo de leniência do J&F, Janot afirmou que o seu então assessor não teve acesso ao acordo de delação premiada dos executivos da empresa de proteína animal. Uma mentira deslavada, pois Marcelo Miller ainda ocupava cargo no Ministério Público Federal (MPF) quando passou a atuar em favor do grupo empresarial.

Com os desdobramentos do escândalo, Rodrigo Janot requereu a Supremo tribunal Federal (STF) a prisão de Miller, mas o ministro Luís Edson Fachin negou o pedido sob a alegação de que o ex-procurador não tinha direito a foro privilegiado. Uma balela jurídica sem tamanho, pois vários envolvidos no Petrolão são investigados pelo STF por causa de foro privilegiado de “contrabando”. Ou seja, estão na mira da Suprema Corte porque no escopo do escândalo há alguém com direito a foro.

Fosse o Brasil um país sério, com autoridades responsáveis e livre de bamboleios interpretativos da lei, Marcelo Miller já estaria atrás das grades. Mas não é o caso, infelizmente. Por outro lado, a declaração de Miller sobre a referida “lambança” é mais uma aberração discursiva esculpida de última hora, mas que não serve para atenuar o crime cometido. Aliás, nenhum criminalista experiente consegue encontrar no Código Penal a figura da “lambança”.


Que o MPF tornou-se o quarto Poder ninguém tem dúvida, mas é inaceitável que isso ocorra às barbas do STF, sem que a Corte tome qualquer providencia para impedir a afronta à lei. É importante ressaltar que após o STF negar o pedido de prisão de Miller, a Procuradoria-Geral da República não recorreu da decisão, como vem fazendo em diversos casos da Lava-Jato. A atual procuradora-geral da República, Raquel Dodge, não tomou qualquer atitude no caso de Miller.

Não se pode esquecer que a PGR, sob o comando de Rodrigo Janot, cometeu algumas ilegalidades gritantes na esteira da Operação Lava-Jato. Com a complacência de Janot, o MPF “orientou” o filho de Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras, a gravar a conversa com o então senador Delcídio Amaral, mas por razão desconhecida não divulgou o inteiro teor do áudio. A PGR fez o mesmo com Sérgio Machado, ex-diretor da Transpetro, que a pedido de procuradores gravou alguns senadores do PMDB, além de José Sarney.

Não se trata de defender políticos acusados de corrupção e crimes correlatos, mas de preservar o que já foi investigado e, evitando eventual arguição de nulidade de provas ou da própria investigação, garantir a punição exemplar dos culpados.

Em recente declaração, Rodrigo Janot disse que, se necessário, tomaria as mesmas atitudes para impedir a continuidade de crimes cometidos por “altas figuras da República”. Janot não é um expoente no universo do Direito, todos sabem, mas não se pode compactuar com o cometimento de crime para interromper outros. O que o então procurador-geral fez foi, desrespeitando a lei de maneira acintosa, atropelar o instituto da delação premiada e a legislação que o define.

Sem dúvida o Brasil precisa ser passado a limpo, como forma de liquidar a chaga em que se transformou a corrupção sistêmica, mas não será com pressa e desrespeito a lei que isso acontecerá da maneira adequada. Ou tem-se paciência e determinação, ou larga-se mão e manda-se tudo pelos ares.

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