(*) Carlos Brickmann
É provável que não houvesse alternativa à intervenção federal: Pezão, o governador, já havia demonstrado sua incapacidade para combater os narcotraficantes e a tragédia da insegurança no Rio tornava-se intolerável. Mas o presidente Temer mostrou que até quando faz o certo o faz de modo errado. A improvisação foi tamanha que até agora não se sabe de onde vai sair o dinheiro para pagar as despesas da intervenção – o que inclui desde a alimentação dos soldados até o custo operacional. O comandante do Exército, general Villas Bôas, quis saber de onde sairia a verba; o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, disse que não é mágico e que o dinheiro da intervenção terá de sair do corte de outras despesas. Mas como saber quanto será necessário, se o interventor, general Braga Netto, ainda não apresentou seu plano? Braga Netto foi apanhado de surpresa pela escolha, e só a aceitou porque, militar de brio, não rejeita missão. Mas o secretário da Segurança do Rio pediu demissão e Braga Netto não tinha o substituto.
A reforma da Previdência daria fôlego aos cofres oficiais, mas a própria intervenção impede que reformas sejam implantadas em sua vigência. E há desentendimentos: o Conselho Nacional de Direitos Humanos manifestou seu repúdio à intervenção. Tudo bem – se o Conselho não fizesse parte do Governo. O problema, portanto, não é concordar ou não com a intervenção: é saber que, mantida essa bagunça, não há nada que possa dar certo.
Velhos tempos…
A crise no Rio vem de longe, de muitos anos; o Rio esteve sob controle dos bicheiros, dos narcotraficantes, dos milicianos. Os bandidos, de certa forma, supriam a ausência do Governo: levavam doentes para hospitais, às vezes conseguiam remédios para os moradores, tudo em troca da submissão total. Nas eleições presidenciais de 1989, só Brizola podia livremente fazer sua campanha. Os outros candidatos, para entrar no Rio, precisavam acertar uma aliança com algum bicheiro de porte – e certamente não era de graça. O Correio atende no máximo à metade da população. A outra metade está em áreas perigosas demais. Só que isso tudo era conhecido e, mesmo sem a erupção de crimes dos últimos dias, já exigia ações bem planejadas.
Não é só jogar o fardo para que os militares carreguem. Por que a improvisação?
…velhos dias
Há quem diga que Temer, sabendo que a reforma da Previdência seria rejeitada, armou um factoide para mascarar a derrota. Há quem diga que Temer, com a popularidade no chão, decidiu encarnar-se no herói que luta contra bandidos. Pode ser: ninguém jamais perdeu dinheiro ao apostar no caráter vacilante de um político. Mas por que não armar tudo direitinho?
Os sujos e os mal-amados
Talvez haja um certo constrangimento no combate ao crime no Rio. Pois não é que no Conselho da República, convocado a aprovar a intervenção, há 16 conselheiros, dos quais nove sendo investigados no Supremo? São o próprio Temer, o presidente do Senado, Eunício Oliveira, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, o secretário-geral da Presidência, Moreira Franco, o líder do Governo no Senado, Romero Jucá, o líder do Governo na Câmara, Aguinaldo Ribeiro, o chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, o líder do Governo no Congresso, André Moura, e o líder da Minoria na Câmara, José Guimarães. No Governo, na oposição, na linha sucessória, quantos!
A minoria
Não estão sendo investigados os ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, da Justiça, Torquato Jardim, do Planejamento, Dyogo Oliveira, Carlos Marun (Governo); os deputados Raymundo Lira, líder da Maioria no Senado, Humberto Costa, líder da Minoria no Senado, e Lelo Coimbra, líder da Maioria na Câmara. Os investigados são maioria absoluta.
Tudo paradinho
Com a intervenção no Rio, não é apenas a reforma da Previdência que para de andar. Há mais 536 emendas constitucionais – que, como estavam mesmo paradas, não chamam a atenção. Uma delas, do então deputado Clodovil, é a que reduz o número de deputados e senadores. Por isso parou.
Ódio é ódio
A mãe do prefeito carioca Marcelo Crivella, idosa, doente, foi tratada num hospital público do Rio. Os adversários do prefeito protestam: afinal, ela ocupa a vaga que poderia ser ocupada por um pobre. A briga política é muito feia: se a senhora tivesse sido internada num hospital particular, seria criticada por não confiar num hospital público. Em resumo, não há saída.
Sim, sim, pois é, né?
O presidente impichado Fernando Collor confirmou, no Senado, que sai candidato à Presidência da República. Suas virtudes, segundo o discurso: “Moderação, equilíbrio, maturidade”. Sua posição: “centro democrático, ao mesmo tempo progressista e liberal”. Simples – mas que é que quer dizer?
(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.