O fim da farsa de Lula e a sensação do dever cumprido

(*) Ucho Haddad

Não comemoro o calvário alheio em hipótese alguma, por princípio. Tal comportamento decorre da educação que recebi desde o berço até a idade adulta, herança deixada por pessoas sempre prontas a estender a mão a quem fosse, independentemente desse ou daquele detalhe. Também é fruto da crença, da fé.

Na verdade, entristece-me muito ver o País vivendo momento tão complexo e deprimente, mas que por certo faz parte da própria história. Entristece-me saber que o agora condenado e preso Lula não apenas arruinou a economia e guindou a roubalheira a patamares luciferianos, mas transformou em pesadelos os sonhos de milhões de brasileiros que aceitaram passivamente o conto dos vigários, quiçá vigaristas. Não foi por falta de aviso, mas a teoria do “pão e circo” agiu como anestésico na consciência da massa ignara.

A prisão do ex-presidente Lula não é o capítulo derradeiro da luta contra a corrupção, pelo contrário, pois deve ser perene, mas representa o prefácio do fim de um período marcado por delinquência política, fórmula encontrada pelo petista-mor para se perpetuar no poder e desidratar financeiramente seus adversários.

Nessa ópera bufa em que se transformou a prisão de Lula há transgressores ousados e aplicadores da lei. E nesse binômio tensionado alguém sempre perde. No caso, aquele que não aceitou o ocaso da vida. Lula valeu-se do “bom mocismo” das autoridades para encarnar mais um deboche explícito.

Neste fatídico dia, assim como vem acontecendo desde março de 2014, quando foi deflagrada a Operação Lava-Jato, a imprensa nacional nadou no mar de informações que brotou do maior escândalo de corrupção da história, como se tudo o que foi noticiado representasse algo inédito. Sobraram especialistas em tudo, muitos foram os que colocaram panos quentes sobre os fatos.

Os meios de comunicação durante anos a fio fecharam os olhos para o óbvio, fingindo que o escândalo do Mensalão do PT foi uma tentativa mal-ajambrada de roubar o dinheiro público à sombra da pretensa impunidade.

Para contar com a aquiescência midiática, Lula abriu os cofres e despejou milionárias verbas publicitárias oficiais aqui e acolá. Estava feita a alegria de muitos dos grandes veículos da imprensa, que passaram a tratar Lula como a versão genérica, moderna e tropical de Messias, o salvador.

Em agosto de 2005, longe da pasmaceira de encomenda da imprensa brasileira, denunciei pela primeira vez a entrada em cena de um novo esquema de corrupção para substituir o Mensalão do PT. Na ocasião sobraram ameaças dos delinquentes envolvidos, não faltaram acusações torpes de profissionais do jornalismo. Nada de novo, pois a classe jornalística é quase sempre autofágica, mas corporativista quando interessa.

De ameaças de morte, sequestro de familiar e ofertas de dinheiro sujo a grampos telefônicos, perseguições e processos judiciais, tudo integrou esse cardápio do absurdo. O que para muitos poderia parecer inusitado, para mim era tudo normal, algo inerente à profissão. Causou surpresa, contudo, a acusação feita por um jornalista supostamente renomado de que sofro de esquizofrenia. Disse o troca-letras à época que essa suposta patologia impunha-me a criação de um novo inimigo a cada dia para ter com quem digladiar.

Dando de ombros à leviana acusação, segui meu caminho como jornalista, certo de que a denúncia feita semanas antes era certeira e implacável. Muitos anos se passaram até que, em 2009, já munido de considerável cipoal de provas, apresentei às autoridades uma denúncia consistente acerca do esquema criminoso que ficou conhecido com Petrolão.

Horas depois da deflagração da Lava-Jato, surpreendido fui por um telefonema da autoridade que não apenas recepcionou a denúncia que fizera, mas acreditou em tudo o que expus. E desse agente público ouvi: “Muito obrigado por tudo que você fez”. Ao que respondi ser obrigação de qualquer profissional da imprensa fazer o que havia feito.

Em qualquer profissão há incompetentes, há invejosos. Não há como fugir desses personagens que tentam atrapalhar a vida alheia por não aceitar com humildade o acerto de outrem. Porém, no jornalismo a competição entre os profissionais chega a ser canhestra. Briga-se de forma ferrenha, muitas vezes sem escrúpulo algum, por um furo de reportagem, por uma notícia exclusiva, por uma manchete arrasadora. Dá-se importância ao fato do momento, deixando ao largo o conjunto que precede e sucede a obra. Isso é patriotismo às avessas, coisa de gente movida pelo histrionismo.

No escopo do pífio espetáculo que prefaciou a esperada prisão de Luiz Inácio da Silva não há heróis, não há vilões. Até porque, o Estado, como um todo, não pode existir dessa maneira. Não tenho vocação para heroísmos nem para casuísmos, assim como desconheço o caminho que leva ao histrionismo. Como cantou certa feita Gonzaguinha, “faria tudo outra vez se preciso fosse”.

Não foi a primeira denúncia que fiz, espero que seja a última. Não porque o Brasil solucionou todos os seus problemas com a derrocada de Lula, pelo contrário, mas porque, confesso, estou cansado. Quase treze anos (o número é mera coincidência) de luta e ameaças repetidas não é tarefa fácil. Dia após dia lutando contra um inimigo poderoso, sem a necessária paridade de armas. Valeu o esforço, valeu a luta!

Longe de jogar a toalha, estou a virar mais uma página do caderno da vida, com direito a finos traços e garatujas horripilantes. Afinal, ninguém é perfeito, graças a Deus. Sem contar que sou o melhor produto dos meus próprios erros.

Não é meu desejo sair de cena, mas hoje, novamente, tenho a sensação do dever cumprido. Fiz o que me cabia na defesa do País e dos brasileiros. Ofertas lamacentas que permitiriam o ócio nababescamente remunerado não faltaram, mas preferi a leveza da consciência e o compromisso que tenho com o Brasil. E disso não me arrependo.

(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, escritor, poeta e fotógrafo por devoção.

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