Prega a sabedoria popular que “o lobo perde o pelo, mas não perde o vício”. Esse pensamento cai como cangalha sobre o presidenciável Jair Bolsonaro, que tenta passar à opinião pública um falso “bom-mocismo”, que nem de longe representa seu pensamento e sua maneira de ser e existir.
É sabido que a polarização política e de ideais, cada vez mais polarizada, preocupa sobremaneira a parcela pensante dos brasileiros, mas é preciso atenção redobrada para o pensamento de Bolsonaro, que não foge às origens. O que de alguma maneira pode representar uma volta a um passado nebuloso e nefasto, mais precisamente à era plúmbea nacional.
Depois da divulgação de documento da CIA sobre a morte de adversários ideológicos durante o regime militar brasileiro, Bolsonaro ousou comparar as autorizações sumárias dadas pelo então presidente Ernesto Geisel para executar opositores a uma palmada dos pais no derrière do filho.
“Quem nunca deu um tapa no bumbum do filho e depois se arrependeu? Acontece”, disse o deputado federal fluminense, nesta sexta-feira (11), durante entrevista à Rádio Super Notícia, de Belo Horizonte.
Escrito por William Egan Colby, que em 1974 dirigiu a Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA), e enviado Henry Kissingir, que à época ocupava o posto de secretário de Estado dos EUA, um documento da agência norte-americana revela que Geisel, ao assumir a Presidência da República, manteve a criminosa estratégia de executar adversários e presos políticos, adotada pelo antecessor, o truculento Emílio Garrastazu Médici.
Inconsequente, Jair Bolsonaro desqualificou o documento da CIA e defendeu a atuação dos militares brasileiros durante o período mais obscuro da história nacional, quando liberdade de expressão não passava de mera figura de retórica.
“Voltaram à carga. Um capitão tá pra chegar lá. É o momento”, disse, referindo-se à possibilidade de ser eleito presidente da República em outubro. De acordo com Bolsonaro, a informação foi revelada pelo historiador Matias Spektor, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), e até então não havia sido noticiada. “Tem que matar a cobra e mostrar o pau. Até na sua casa, com todo respeito, você vê quando você erra”.
Jair Bolsonaro sabe que chegou ao limite em termos de intenções de voto, por isso adota a vitimização camuflada para tentar impulsionar a própria candidatura. Alegar que a divulgação do documento tem qualquer relação com seu projeto político é casuísmo da pior espécie.
A estupidez de Bolsonaro é tamanha, que ele cometeu a vilania de, ao seu modo, explicar a matança ocorrida durante a ditadura militar. “Esse pessoal que disse que matamos naquele momento, que desapareceu, caso estivesse vivo por um motivo qualquer, estaria preso acompanhando o Lula lá em Curitiba. Essas pessoas não têm qualquer amor à democracia e à liberdade. Eles querem o poder absoluto”.
Só mesmo alguém desprovido de bom senso e massa cinzenta pode mostrar-se tão antagônico na mesma frase. Afinal, pois trata-se de atentado à inteligência falar em “amor à democracia e à liberdade” ao mesmo em que se defende a execução de adversários ideológicos.
Sobre o fato de os que morreram ou desapareceram, se vivos estivessem, certamente fariam companhia a Lula no cárcere, é querer brincar de vidente abusando do achismo.
Jair Bolsonaro é avesso ao diálogo e defensor da ideia de que apenas o seu pensamento deve prevalecer. Uma coisa é ordem e progresso, outra é truculência e assassinato. E o deputado presidenciável troca os fios.
A democracia, em qualquer circunstância, é a arte da diversidade e se mantém sobre os pilares dos oximoros. Tratar a vida humana de forma vil, comparando a execução de alguém a um tapa nas nádegas de uma criança, revela com clareza a pequenez daquele que sonha em ter os destinos do País em suas mãos.