Por mais que as tietes de Donald Trump afirmem que o norte-americano foi corajoso ao avançar nas tratativas com o ditador da Coreia do Norte, o vencedor da reunião em Singapura foi o intempestivo Kim Jong-un, que da noite para o dia foi transformado em estadista, mesmo comandando com mão de ferro e truculência uma das nações mais fechadas do planeta.
Após o encontro de quatro horas, Trump concedeu entrevista coletiva e disse que o acordo foi “bastante abrangente”, mas é preciso ressaltar que o documento não traz detalhes a ponto de ser classificado como tal. Aliás, o que Trump e Kim assinaram foi um protocolo de intenções que permitirá o avanço das conversações para estabelecer a paz na Península Coreana.
Ao afirmar que o citado documento contém um “comprometimento firme e decidido” de Kim Jong-un para desnuclearizar a península, Tump demonstra desconhecer a história, pois a Coreia do Norte, nas últimas décadas, jamais cumpriu a promessa de interromper o clima de beligerância na região.
Sobre a desnuclearizacao propriamente dita, somente um estreante em política internacional é capaz de acreditar na suposta promessa. Afinal, Kim Jong-un só conseguiu ser um dos protagonistas do histórico encontro porque levou adiante o desenvolvimento de misseis e armas nucleares. Não fosse esse detalhe, a reunião sequer teria ocorrido.
Prova maior dessa evidência surgiu na apressada declaração do presidente norte-americano: “Vamos parar com os jogos de guerra”. Aos jornalistas que cobriram o evento em Singapura, Trump quis referir-se às manobras militares realizadas pelos Estados Unidos com a Coreia do Sul, que costumam irritar Pyongyang. “E isso vai nos poupar uma imensa quantidade de dinheiro”, disse o mandatário estadunidense.
“Tivemos um encontro histórico e decidimos deixar o passado para trás”, disse Kim Jong-un na cerimônia de assinatura do comunicado, já rotulado como Documento de Singapura. “O mundo vai ver uma grande mudança”, declarou o norte-coreano.
Trump, por sua vez, antecipou para a próxima semana uma nova reunião sobre a península coreana, mas sem especificar o encontro seguinte. “Vamos nos reunir na próxima semana para entrar nos detalhes”. Tal declaração mostra que o acordo não pode ser “classificado como “bastante abrangente”.
Depois de ofender e provocar Kim Jong-un durante meses a fio, tendo respostas à altura por parte de Pyongyang, Trump amainou o discurso porque em termos de política internacional precisa que o tal acordo prospere. Afinal, depende disso para “vender” à opinião pública americana algo que está longe de ser verdade: sua maestria no campo diplomático. E esse cenário permite sonhar com o Prêmio Nobel da Paz.
Para levar adiante esse plano, Trump aproveitou a presença dos jornalistas e, diante das câmeras, chamou Kim de “talentoso”, disse ter sido uma honra conhecer o ditador e previu uma “relação fantástica” entre ambos. Ou seja, de cena saíram o “gordo e baixo” (Kim) e o “velho lunático” (Trump).
Blefar é a principal especialidade da dinastia Kim, agora reforçada pela postura de Donald Trump de descumprir acordos de todos os matizes. Desde a chegada do republicano à Casa Branca, os EUA abandonaram acordos importantes, como o Transpacífico, o do Clima de Paris e o nuclear com o Irã, além de ameaçar a OTAN com cortes de verbas. Não obstante, Donald Trump disparou duras críticas nos últimos dias contra os líderes dos países do G7, históricos parceiros dos EUA.
A possibilidade de o norte-coreano eliminar as armas nucleares é mínima, pois trata-se de uma garantia para a manutenção da ditadura comunista que agora é alvo das loas da Casa Branca. Kim Jong-un não chegou até o encontro com Trump porque é desprovido de massa cinzenta, o que não anula sua destemperança.
Há muito orientado por Pequim e Moscou, que fazem da Coreia do Norte uma massa de manobra contra os EUA na Ásia, Kim ganha tempo e pode conseguir a suspensão das sanções contra o país, cada vez mais pobre.