Anestesia geral

(*) Marli Gonçalves

Tanto faz como tanto fez. Abobalhados. Inertes. Adormecidos. Lentos. Parecemos autômatos diante dos acontecimentos. Esperamos os dias seguintes, e os seguintes…

Ouvimos, lemos, sabemos ou somos diretamente atingidos, diariamente, por toda sorte de acintes, assaques, misérias, decretos e decisões que visivelmente nos prejudicam – a todos. Leis lidas a bel prazer. Bancos, seguradoras, poderosos limpam os pés nas nossas costas. Vemos gente pela qual temos apreço ou mesmo mal conhecemos, sofrendo ou caindo, miseráveis, seja nos postos de saúde ou nas calçadas, mortas pela violência desmedida e sem fim. Assistimos impassíveis a embates públicos nojentos e é como se nada daquilo nos dissesse respeito, estivesse ocorrendo em outro planeta.

Doenças terríveis que já haviam sido erradicadas – sarampo, raiva, poliomielite! – voltam céleres. Matam. E há quem tenha – para isso, sim – energia e coragem de negar as vacinas; pior, criminosamente tentam ainda argumentar contra elas do alto de suas ignorâncias, e acabam conseguindo, atingem uma importante parcela da população, aquela que a cada dia mais não sabe onde está parada. Apenas está parada esperando o futuro do país do futuro que não chega nunca.

Faltam pouco mais de três meses para a eleição de um novo presidente da República, repito, presidente. Isso, além dos cargos de governadores e deputados que serão regentes dessa desafinada orquestra a partir do primeiro dia do ano que vem. E é como se nada da crise braba que estamos vivendo, das terríveis descobertas de corrupção, roubos, extorsões, pilhagens e pilantragens em geral fizessem real diferença fora dos vídeos feitos com celular deitado. Depoimentos que mostram, sim, um Brasil real, pobre, largado, cheio de recônditos de nomes estranhos, de pessoas e cidades, e onde se fala uma língua que portuguesa não é, com seus esses e plurais esquecidos tanto quanto eles próprios.

O primeiro colocado nas pesquisas eleitorais, feitas com esses nominados aí que pretendem por a mão na direção, aparece; e é um preso com várias condenações e que de lá onde está trancafiado ainda posa de mártir e redentor, perseguido, um Messias. O segundo colocado é um ser abominável, incapaz de nada a não ser de bravatas, que até parecem soar reais nesse verdadeiramente desesperador momento: é como se ele pudesse bater, balear, fuzilar todos os problemas. Nas intenções de voto, vêm seguidos de outros: um amorfo, uma amorfa, um destrambelhado e outros pequenos seres prontos a negociar suas cadeirinhas nos estúdios de tevê por algum cargo. Estão ali no meio do campo, meio transparentes, correndo como os bobinhos, esperando quem sabe qual será a jogada.

O resultado mais plausível nesse instante é que saiam vitoriosos os votos nulos, brancos e abstenções. Afinal, em quem votar nessa seara, nesse deserto de ideias e propostas reais? Mais: como levarmos esses seis meses que temos adiante com um presidente que só consegue cair cada vez mais em desgraça e impopularidade? Que anda com cascas de banana nos bolsos e que vai jogando a cada passo que dá, escorregando?

A apatia é tanta que alcançou o que jamais imaginaríamos possível, as demonstrações populares. O futebol. Ah, que bom, tem Copa do Mundo. Ponto. Ah, que bom, o Brasil ainda está classificado. Gol. Depois do silêncio e da tensão que acompanham as sofridas partidas – como todas têm sido – gritos rápidos nas janelas, uma bombinha aqui; outra ali. Pronto. Ah, acabou o jogo e o Brasil ganhou. Não se ouve mais nada, a não ser a vida tentando voltar ao seu normal. Até o ufanismo das bandeirinhas espalhadas para decorar os espaços pouco tremulam.

O tempo está passando e não conseguimos mover o pé para fora dessa areia movediça que nos imobiliza.

Belisquem-se. Alguém, por favor, ligue o alarme. Bote água para ferver. Dê um antídoto para a população acordar e ver o que ainda podemos fazer; mas de verdade, não pelas redes sociais que parecem ser o que nos anestesia!

Eu só queria muito poder desejar um feliz segundo semestre. Percebeu que o ano já chegou à sua metade?

(*) Marli Gonçalves, jornalista – Urge ver o Brasil fazer gols em seu próprio campo.

SP, julho, toca a sua sirene!

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