Criticar Bolsonaro agora é pecado; penitência é aturar a pandorga chula dos sacripantas da seita

(*) Ucho Haddad

“Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”. Por mais que seja um monumento à ignorância e ao contrassenso, essa abominável frase, que caiu no gosto popular, traduz com precisão o ignaro e dicotômico discurso da seita em que se transformou o grupo de apoiadores de Jair Bolsonaro, o imaculado que se apresenta como liberal, mas quer mudar o Brasil a chutes de coturno. O pior é que seus adoradores aprovam esse método que remete à escuridão da era plúmbea.

Como destaca o título do artigo, criticar Bolsonaro, o capitão da seita, tornou-se pecado mortal sob os olhares da direita ensandecida, com direito a ofensas das mais bizarras por parte da turba. Causa espécie o modelo de democracia que esses soldados da nova tetrarquia bananeira defendem. Se é que democracia de fato é.

Desde os primeiros momentos do PT e seus penduricalhos ideológicos na Esplanada dos Ministérios, não medi esforços para apontar as transgressões e os crimes cometidos por figuras que adotaram o banditismo político para alcançar a perpetuação no poder. Durante esses anos de fuzarca esquerdista, os agora detratores da honra alheia se desmanchavam em elogios à minha pessoa.

Em momento algum fui levado pela vaidade, até porque, além de ter consciência do meu papel como jornalista, conheço a intelectualidade rasa que reina na rede mundial de computadores. Não estavam interessados em jornalismo de qualidade ou em informação responsável e verdadeira, sem comprometimento com esse ou aquele político, mas, sim, em eliminar de vez a esquerda. Como se a democracia não dependesse do equilíbrio de forças opostas.

Como profetizou o filósofo italiano Umberto Eco – a seita há de dizer que era comunista –, “o drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”. E quem não se rendeu à transumância para a seita que se prepare para conviver com os gênios (sic) da aldeia, não sem antes reforçar o estoque de antiácidos. Porque causa gastura assistir ao regurgitar de teorias do absurdo para defender um candidato que mais parece um torvelinho.

Nas redes sociais, quando Bolsonaro e seus quejandos são criticados, os trêfegos de aluguel surgem do nada, em legiões, como se fossem uma manada descontrolada com missão a cumprir. A exemplo da caserna, atendem a uma voz de comando. Com o pastiche nos cascos, saem disparando ofensas, em efeito cascata, enquanto indignam-se com meus escritos, como se no passado não tivessem me elogiado. Adoro gente cuja coerência depende do momento ou da ideologia da vez.

A Bolsonaro não se pode fazer perguntas sobre o passado, mas seus defensores insistem em voltar na linha do tempo para buscar alguma desculpa, mesmo que esfarrapada, para justificar seus tropeços de agora. Se a desculpa permitir uma comparação com alguém diametralmente oposto em termos ideológicos, melhor. Assim o imaculado permanece mais alguns momentos no Olimpo de camelô.

Alguns xamânicos da seita ousam dizer que “esquerdizei”, que tornei-me um comunista, apenas porque faço críticas a Jair Bolsonaro, o intocável. Criticar o James Bond de Pindorama é crime? Desde quando? Só posso concluir que se trata de excesso de ignorância ou falta de criatividade acusar de ter migrado para o comunismo alguém que continua criticando duramente a esquerda. Umberto Eco tinha razão!

Outros, postulantes à vaga de bitaiteiro, afirmam que me vendi ao PSDB, alegam criminosamente que até outro dia estava falido, que isso, que aquilo. Minha consciência jamais esteve à venda e nunca estará. Do contrário, o Petrolão sequer teria saído do armário. Já que o pontapé inicial da investigação coube a mim, gostem ou não os pestilentos que ora me acusam a esmo. Não me deixo intimidar por poderosos, que dirá por claques com viés de guarda pretoriana.

Adeptos da pavulagem arriscam a me ensinar como escrever, mesmo depois de quatro décadas de jornalismo. Sugerem que há algo errado na pauta, colocam em xeque a credibilidade do meu trabalho, reclamam até mesmo de textos bem escritos. Pobre Brasil, quem diria!

Critiquei – e mantenho a crítica – o general reformado Antonio Hamilton Mourão por ter afirmado que “o Brasil herdou a malandragem dos africanos”. Em um país em que 54% da população é negra, essa declaração é um atentado ao bom senso. Candidato a vice na chapa de Bolsonaro, o general é o novo imaculado da Banânia, pois a mais recente e esdrúxula explicação estabelece que, a depender de quem fala, a ofensa racial é análise antropológica.

Mourão tentou se explicar, alegando que foi mal interpretado, mas a situação ficou pior, porque o general acabou dizendo que há malandros em alguns estados brasileiros, como os que acordam tarde e os que chegam atrasado no trabalho. Para justificar a pataquada racista de Mourão foi acionada a tropa de filósofos de plantão da seita.

Por questões óbvias, os gênios partiram para o ataque e colocaram na cena do crime a malfadada tese do contexto, como se me faltasse capacidade para interpretar a fala de alguém, no todo e em partes. Obviamente, para a turba sei de nada. Esses senhores máximos da verdade universal pinçaram no baú do tempo uma frase dita pelo economista Roberto Campos sobre a indolência dos indígenas. Em nenhum momento na minha crítica a Mourão fiz referência ao tema, apenas à “malandragem herdada dos negros”. Como os integrantes da seita são especialistas em leitura de obituário, comparecem ao velório sem conhecer o defunto. E agem como se carpideiras profissionais fossem.

Fico imaginando se a frase sobre a “malandragem herdada dos negros” tivesse sido vociferada pelo agora presidiário Lula. A direita teria ateado fogo no Brasil e na vizinhança. Diriam: é um despautério atentar contra a honra dos negros e seus assemelhados. Como no imbróglio em questão o tropeço foi de Mourão, está tudo certo. O intolerante sou eu. A loucura é tamanha, que teve descendente de negro – lambedor do coturno bolsonático – que considerou elogio a ofensa racial. Freud explica?

Apenas a título de comparação, Lula, o alarife do Petrolão, disse certa vez, nos idos de 2009, que a crise global era coisa de “loiro de olhos azuis”, em clara e equivocada referência aos norte-americanos. Foi o bastante para seus adversários atearem fogo no paiol. Alto lá! O pau que bate em Chico, não bate em Francisco? Ou o general Mourão é a nova divindade nesse paraíso do faz de conta, apenas porque foi escolhido para “meter o pé na porta”?

Há vetustos – seria ausência de lhaneza chamá-los de velhacos – que sabem o quanto estudei e ainda estudo, mas por discordarem da minha opinião deixam de lado a coerência, a falsa elegância e revelam-se como de fato são. Meu desejo é presenteá-los com um espelho, emoldurado pela hipocrisia. É o que merecem!

Para o infortúnio de muitos, minha saúde vai bem, obrigado, a léguas de distância da paranoia. Desde quando coerência é doença, causadora de surtos e delírios? Submissão estúpida, aliada à preguiça política, é que precisa urgentemente de um divã, talvez de camisa de força. Insinuam que estou velho, talvez esclerosado. Enganam-se, cambulhos! Desesperem-se a mais não poder, pois quando maniqueístas, soi-disant, recorrem a críticas que mais parecem paradoxos de casa de alterne, só me resta concluir que estou no caminho certo. Como ninguém há de me parar, esperneiem à vontade.

(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, escritor, poeta, palestrante e fotógrafo por devoção.