(*) Rizzatto Nunes
Aproveitando as eleições que se aproximam, volto ao tema do voto facultativo, algo que envolve a sociedade de consumo no viés da atuação política dos consumidores-cidadãos e seus representantes eleitos.
Vivemos numa sociedade democrática, na qual o poder há de ser exercido pelo e para o povo mediante representantes eleitos diretamente. O que se espera, claro, é que esses representantes, como o próprio nome diz, “representem” os interesses, ideias e desejos de seus eleitores. Mas, como garantir que os representantes, realmente, trabalhem em projetos que atendam aos anseios populares? Tomemos apenas um dos aspectos de nossa democracia, esse do fato do voto ser obrigatório entre nós.
De todos os países do mundo, apenas 21 ainda adotam esse modelo, sendo 10 na América Latina e do Sul (i). E dentre os 15 que detêm as maiores economias, somente o Brasil ainda contempla o voto como dever (ii).
Penso que o voto obrigatório é contrário à natural liberdade que se espera numa democracia e transforma o direito da cidadania num dever que aprisiona. Numa democracia, o voto há que ser um direito sagrado exercido de forma livre pelo cidadão.
A obrigatoriedade transforma o voto num cabresto, permitindo as compras, as trocas e todas as demais artimanhas para a sua aquisição. Adicionalmente, esse sistema enfraquece a democracia porque o eleitor, sem alternativa, é obrigado a escolher alguém nas listas apresentadas pelos partidos, que detêm o monopólio das indicações dos candidatos. Milhões de eleitores, então, votam sem grande ou nenhum interesse. O sistema serve apenas para legitimar uma estrutura de poder antiga e que agora está em xeque no Brasil.
Para ser ter uma ideia, uma pesquisa publicada pela Revista Exame mostra que 79% dos brasileiros não lembra do nome em quem votou em 2014 (iii). Esse dado comprova que milhões de brasileiros vão às urnas para se livrar da obrigação de votar e para não perder vários direitos retirados de quem não vota, como, por exemplo, tirar passaporte.
Por isso, sou daqueles que acreditam que o voto facultativo tem tudo de positivo relacionado à democracia e a participação popular na política, pois, com ele, o eleitor vota se quiser e se encontrar algum candidato que, de fato, possa representar seus pensamentos, seus desejos, assim como do grupo social a que pertença.
Além disso, essa liberdade de escolha permite e incentiva a participação das pessoas nas atividades políticas dos partidos, visando à nomeação de candidatos verdadeiramente representativos de seus interesses. Há, é verdade, outros aspectos, tais como o da introdução do voto distrital, a do candidato avulso (sem partido) etc. Mas, o fim do voto obrigatório parece-me um bom começo.
Agora um outro aspecto: como também já tive oportunidade de tratar, as democracias contemporâneas são formadas por cidadãos-consumidores. Isto é, uma característica marcante das sociedades capitalistas é que elas são formadas basicamente por consumidores. Os direitos dos cidadãos são exercidos em larga medida pela atuação enquanto consumidores, pois no cotidiano as ações são “vividas” pelo e para o consumo.
Ademais, em relação ao Estado, está claro que ele é um agente prestador de serviços (além de produtor) e se comunica com os cidadãos do mesmo modo que as empresas privadas com seus clientes. Nesse sentido, é que se diz que o eleitor é um cliente do Estado. Como o regime é democrático e as autoridades são guindadas a seus cargos pelos votos dos eleitores, estes esperam, legitimamente, que as ações e tomadas de decisões daqueles estejam, de algum modo, então, em consonância com suas necessidades, interesses e direitos.
Os cidadãos-consumidores têm que se comunicar livremente com seus representantes.
A propósito, se olharmos para uma série de reinvindicações feitas nos últimos meses e anos, veremos que boa parte delas envolve direitos típicos dos consumidores, tais como transportes decentes, melhor atendimento médico e hospitalar, educação de boa qualidade e mais segurança pública.
Esses pleitos são bem-vindos e representam o direito que têm os cidadãos de se manifestar livremente e de exigir que se lhes entreguem produtos e serviços decentes a preços módicos; e, também, que a política seja executada de forma honesta e transparente.
Por isso tudo, penso que a liberdade para o voto é um objetivo a ser perseguido.
(i) – Fonte: https://www.eleicoes2018.com/voto-obrigatorio/
(ii) – Fontes: http://miltonribeiro.sul21.com.br/2014/08/05/o-voto-obrigatorio-no-mundo/ e http://direito.folha.uol.com.br/blog/voto-obrigatrio-no-mundo
(iii) – Fonte: https://exame.abril.com.br/brasil/79-dos-brasileiros-nao-lembram-em-quem-votaram-para-o-congresso/
(*) Luiz Antônio Rizzatto Nunes é professor de Direito, Mestre e Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); Livre-Docente em Direito do Consumidor pela PUC-SP e Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo.