Na democracia não há espaço para o falso liberalismo de Bolsonaro nem para a ameaça de Dirceu

“Nunca antes na história deste país” (com a devida licença do presidiário Lula), desde a redemocratização, um processo eleitoral foi tão conturbado e polarizado como o de agora. Insultos, impropérios, ameaças, conjecturas bizarras, teorias da conspiração. Eis o cardápio das eleições de 2018, especificamente da corrida presidencial, onde o extremismo da direita e o da esquerda medem forças a todo momento.

Provocações e xingamentos à parte, é preciso reconhecer que, independentemente de quem seja o vencedor, o único perdedor será o Brasil. Além disso, o País corre o risco de dar largos passos na direção do retrocesso e do obscurantismo, com direito a ameaças claras à democracia. Talvez o Estado de Direito role precipício abaixo.

O nível de tensão que reina em todos os quadrantes nacionais está tão elevado, que qualquer letra fora do lugar em matéria jornalística é motivo para desconfianças. Considerando que em períodos efervescentes, como agora, uma manchete bombástica faz a alegria dos veículos de comunicação, provocar os entrevistados, arrancando o que der de suas vísceras, é receita de sucesso.

Outrora homem forte do primeiro governo Lula, até ser dragado pelo escândalo do Mensalão do PT, José Dirceu está a percorrer o Brasil para lançar o livro que escreveu nos anos em que ficou encarcerado. Tem aproveitado a liberdade concedida à sombra de bisonha decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que, em ato de compadrio e desrespeitando decisão do plenário da Corte, mudou entendimento acerca da prisão após condenação em segunda instância.

Perguntado sobre a possibilidade de o PT, na figura do candidato Fernando Haddad, vencer a eleição presidencial e não levar, por causa de eventual reação da extrema direita, Dirceu não pensou duas vezes para responder ao jornalista do espanhol El País: “Acho improvável que o Brasil caminhará para um desastre total. Na comunidade internacional isso não vai ser aceito. E dentro do país é uma questão de tempo pra gente tomar o poder. Aí nós vamos tomar o poder, que é diferente de ganhar uma eleição.”


O UCHO.INFO abomina a tese do contexto para justificar declarações estapafúrdias, como muitas que têm surgido no picadeiro eleitoral, mas é preciso considerar que de ambos os lados – direita e esquerda – sobram provocações. O que não significa que a cautela deva ser abandonada. Afinal, ditadura será sempre ditadura, não importando se de direita ou de esquerda.

A fala de José Dirceu, que não tem vocação para querubim, é preocupante e merece atenção, mas declarações do gênero “corda esticada” resultam da radicalização que tomou conta do processo eleitoral. Não é de hoje que este portal alerta para o perigo que representa o discurso cada vez mais radical de Jair Bolsonaro e sua trupe. Mesmo assim, seus apoiadores ignoraram nossos alertas, porque, preguiçosos políticos que são, apostam na truculência como forma de solucionar os problemas do País.

Sempre insistimos na tese de que o extremismo direitista abriria caminho para o retorno da esquerda bandoleira ao poder. Corroída pelas consequências nefastas de seguidos escândalos de corrupção e pelos persistentes efeitos colaterais da maior crise econômica da história, a cambaleante esquerda encontrou sua tábua de salvação. E dela vem tirando proveito.

Sobre “tomar o poder”, como afirmou José Dirceu ao El País, não é algo tão simples quanto brincar de Forte Apache na sala de casa. Carece, em primeiro lugar, vencer a eleição. Depois, plano sobre a escrivaninha, é preciso ter ao lado alguém que garanta o sucesso de uma empreitada nada fácil. Apesar dessas considerações, manter os olhos abertos é impositivo. Lembrando que quem vencer a eleição tomará posse.

Por outro lado, José Dirceu já não pode contar com os “companheiros” da velha guarda para colocar em prática a ideologia guerrilheira de priscas eras. Tomando por base que a estimativa de vida do brasileiro é de 74 anos, em média, José Dirceu, aos 72, já pode ser considerado como um comunista quase de pijama. Além disso, o estresse da militância e dos tempos de clandestinidade pesa na reta final.

O Brasil mudou, é fato, mas o comodismo modorrento do brasileiro em questões políticas exige que estejamos sempre atentos, pois lufadas de totalitarismo têm soprado de todos os lados. Para o flerte de Jair Bolsonaro com o retrocesso não há uma nesga de espaço nos tempos de hoje, assim como não há para a resposta ameaçadora de José Dirceu, mesmo diante de uma pergunta capciosa. Liberdade, liberdade, abra as asas sobre nós.