Quando assumiu a Presidência da República, em 2003, Luiz Inácio da Silva logo embarcou no discurso da “herança maldita”, fórmula encontrada para minimizar as mirabolantes promessas feitas durante a corrida presidencial de 2002, a primeira bem-sucedida do ex-metalúrgico. Esse tipo de recurso não é novidade para os brasileiros, pois candidatos acostumaram-se a prometer muito além da capacidade de cumprir. A sorte de Lula é que o antecessor, FHC, deixou a economia nacional minimamente ajeitada, apesar dos efeitos danosos do cenário internacional.
No caso de Jair Messias Bolsonaro o cenário não é diferente. O presidente eleito recentemente destacou o entulho econômico que receberá ao assumir a Presidência, como se a memória do brasileiro fosse curta o suficiente para não lembrar do que foi prometido durante a campanha. A mais recente investida de Bolsonaro foi contra o Instituto Brasileiro de geografia e Estatística, o IBGE, acusado pelo eleito de usar metodologia não adequada no do contingente de desempregados.
“Vou querer que a metodologia para dar o número de desempregados seja alterada no Brasil, porque isso daí é uma farsa. Quem, por exemplo, recebe Bolsa Família é tido como empregado. Quem não procura emprego há mais de um ano é tido como empregado. Quem recebe seguro-desemprego é tido como empregado. Nós temos que ter realmente uma taxa, não de desempregados, uma taxa de empregados no Brasil”, disse o despreparado Jair Bolsonaro durante entrevista à Band.
A taxa de desemprego faz parte da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), que segue metodologias recomendadas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), da Organização das Nações Unidas (ONU), o que permite que os índices sejam comparáveis com os de outros países. Procurado, o IBGE não comentou a declaração de Bolsonaro.
Presidente do IBGE de 1994 a 1999, Simon Schwartzman diz que os critérios citados na declaração de Bolsonaro para definir quem está empregado não condizem com os usados na estatística oficial.
“Ele (Bolsonaro) está mal informado. É legítimo o governo levantar a questão, questionar, solicitar estudos, pedir ao instituto que examine sua metodologia e pedir uma proposta de revisão, que deve vir do próprio IBGE. O que não pode é vir uma determinação de cima, impondo como deve ser. Isso tem como consequência a desmoralização e uma descrença nos dados”, afirmou Schwartzman.
Criado em 29 de maio de 1936, o IBGE é uma instituição respeitada que jamais sofreu qualquer tipo de interferência por parte de chefes do Executivo federal. A fala de Bolsonaro mostra de maneira inequívoca que tempos sombrios se avizinham, a mesmo tempo em que seu discurso busca amainar o cenário econômico na tentativa de diminuir a pressão da sociedade sobre o futuro governo.
Sob a condição de anonimato, até porque a partir de janeiro retaliações e perseguições serão inevitáveis, um economista que trabalha com os levantamentos estatísticos do IBGE falou sobre o risco de a instituição sofrer algum tipo de interferência por parte do governo. “O IBGE foi criado em 1936, passou pelo Estado Novo e pelo Regime Militar sem nunca ter sofrido qualquer tipo de interferência de um presidente”, declarou.
Na avaliação de Claudio Considera, ex-diretor de pesquisa do IBGE, mesmo que algum tipo de interferência ocorresse, não há muito como fugir da fórmula da taxa de desemprego. A metodologia oficial foi atualizada em 2016, quando a Pnad Contínua substituiu a Pesquisa Mensal de Emprego.
“Existe uma definição de taxa de desemprego. Não tem muito como inventar. Talvez ele esteja pensando em outra forma de medir isso, mas não consigo vislumbrar”, afirmou o ex-diretor do instituto.
Perguntado, durante a entrevista ao jornalista José Luiz Datena, sobre acríticas a seu futuro governo, Bolsonaro disse que não se preocupa com isso e citou uma possível “renegociação” de
“Estaria muito preocupado se fosse elogiado por Fernando Henrique Cardoso, que nos botou nessa dívida monstruosa. Foi FHC que, na metade de seu governo de oito anos, botou a Taxa Selic na casa dos 60%. Nós nos endividamos monstruosamente. O próprio Lula, quando assumiu, em 2003, nossa dívida interna era R$ 600 bilhões, pouca coisa, hoje é R$ 3,7 trilhões. Não vou dizer que é impagável, dá pra você pagar isso daí, se você tiver um bom ministro da Economia, como temos o Paulo Guedes, para conduzir essa renegociação de forma bastante responsável, para mostrar a todos no Brasil que estamos no mesmo barco”.
Em outras palavras, Bolsonaro de forma reiterada busca justificativa para em futuro próximo explicar o não cumprimento de muitas das promessas de campanha. Afinal, não será o pensamento teórico do seu “Posto Ipiranga” que na prática solucionará da noite para o dia os problemas do País.
Se Jair Bolsonaro nada entende de economia, Paulo Guedes tem pensamento oposto ao do presidente eleito quando o assunto é o atoleiro econômico em que se encontra o Brasil.