Bolsonaro diz ser contra a corrupção, mas afirma que “o MDB é bem-vindo” e aceita conversar com Renan

Entre os inflamados e descabidos discursos da campanha presidencial de Jair Bolsonaro e a euforia com a eleição daquele que prometeu muito além da capacidade de cumprir, seus eleitores deveriam desde já aceitar a realidade política como ela é, já que as urnas confirmaram a vitória de um candidato, não de um mago. O introito serve como aviso para que mais adiante ninguém se surpreenda com o desenrolar dos fatos.

Jair Bolsonaro, que apenas carrega Messias no nome, não operará milagres no Planalto Central, pois se não fez isso nos últimos 28 anos, não será agora que assumirá essa porção digna dos especiais. Mesmo assim, o presidente eleito deveria se preocupar com algumas das suas declarações – quiçá com muitas –, que começam a fazer contraponto às promessas de campanha.

Ao perceber o descontentamento da população com o banditismo político adotado pelo PT ao longo de treze anos e alguns meses de governo, Bolsonaro surgiu em cena a bordo de um discurso moralizador, que soube transformar a insatisfação de boa parte da sociedade em sinfonia do ódio. Para tal usou a promessa de acabar com a corrupção, de exterminar a esquerda, de banir da cena política os envolvidos em gatunagens e outras tantas transgressões.

Como diz a lenda, o discurso de Bolsonaro era para inglês ouvir, pois a regra do jogo na política verde-loura é bem diferente. A democracia brasileira é representativa, o regime político é presidencialista, o Judiciário luta para fazer a lei. Ou seja, o chefe do Executivo é refém do Legislativo, que por sua vez leva carraspanas do Judiciário quando sai do trilho legal.

Nessa trinca de ases, governar exige capacidade de gestão, habilidade política e conhecimento jurídico. O problema maior está no relacionamento com o Congresso, onde a regra do jogo não é fácil e muda de acordo com o interesse do momento e dos atores da vez.


Bolsonaro e muitos dos que estacionaram em seus anéis orbitais se elegeram propulsados pelo discurso da moralidade, prometendo passar ao largo dos acordos, dos conchavos e da troca de favores. O governo do capitão reformado ainda não estreou, mas já coleciona tropeços. Para quem prometeu ser um antídoto contra a corrupção, afirmar que “o MDB é bem-vindo” é no mínimo um acinte.

Não se pode esquecer que o MDB (na ocasião PMDB) esteve ao lado do Partido dos Trabalhadores desde os primórdios da era Lula e foi sócio dos governos de Dilma Rousseff. Afinal, Michel Temer só está presidente da República porque foi vice de Dilma, que acabou apeada do poder por causa das chamadas “pedaladas fiscais”. Isso significa que MDB e PT dividiram o butim do Petrolão, mesmo que não em parte iguais.

Não obstante, Flávio Bolsonaro, eleito senador pelo Rio de Janeiro, disse que o governo do seu pai está pronto para conversar com o senador Renan Calheiros (MDB-AL). Se na política brasileira pode-se falar em “fulanizações” do escândalo, por certo Calheiros é uma delas. E aquele que aceita sentar-se à mesa para qualquer tratativa com Renan Calheiros não tem moral para se apresentar como caçador de corruptos.

Por outro lado, abrir os braços para receber o MDB carinhosamente e mostrar disposição para negociar com Renan Calheiros, que não senta à mesa para jogar conversa fora, é mandar pelos ares o discurso do ainda juiz Sérgio Moro, que quando aterrissar no Ministério da Justiça implantará intensa agenda de combate à corrupção e ao crime organizado. As palavras são do futuro ministro.

Os fios do governo de transição estão trocados, mas por enquanto sem registro de curto-circuito. Em outras palavras, ainda dá tempo de chamar o eletricista e evitar tragédia maior.