Se abrir o sigilo do BNDES na marra e por birra ideológica, Bolsonaro violará a Constituição e o Código Civil

Alguém precisar avisar a Jair Bolsonaro que a campanha eleitoral acabou em 28 de outubro e desde então ele é presidente da República eleito, o que exige posturas e discursos mais moderados, mesmo que seu ímpeto aponte na direção oposta.

É sabido que muitas das promessas feitas aos seus eleitores são absurdas porque esbarram flagrante e constantemente na legislação vigente, mas de agora em diante é necessário agarrar-se à parcimônia e à responsabilidade. Mesmo assim, Bolsonaro continua preocupado em jogar para a plateia.

Na quarta-feira (7), o presidente eleito afirmou que logo na primeira semana de governo determinará a abertura do sigilo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), apenas porque esse é um “anseio” dos brasileiros.

“O BNDES, da minha parte, vamos abrir todos os sigilos para vocês. Todos. Sem exceção”, disse o eleito.

Governar uma nação não é fazer as vontades da população, mesmo sendo a democracia um regime em que o poder emana do povo. É preciso respeito à legislação, sob pena de o governo e os governantes incorrerem em crimes graves, impondo ao Estado uma nuvem de insegurança jurídica que pode trazer consequências danosas ao País, a começar pelo aumento da desconfiança dos investidores internacionais.

A se confirmar a declaração de Bolsonaro, o País estará diante de inusitada violação do sigilo bancário, prática proibida pela Constituição Federal e pelo Código Civil. E um presidente da República não pode atropelar o conjunto legal vigente apenas porque precisa dar satisfações à sociedade. Que o faça dentro dos limites legais.

A quebra do sigilo bancário viola o princípio da dignidade humana, previsto no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988.

Art. 1º – A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III – a dignidade da pessoa humana”

Não obstante, a quebra do sigilo bancário fere princípios estabelecidos no artigo 5º da Carta Magna, lembrando que o referido artigo é considerado cláusula pétrea, ou seja, seu texto não pode ser alterado nem mesmo por emenda constitucional.

Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”


Ademais, a inviolabilidade do sigilo bancário também é recepcionada de maneira clara pelo Código Civil (Lei nº 10.646, de 10 de janeiro de 2002):

Art. 21 – A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.”

É importante ressaltar que o direito à intimidade é tido como direito personalíssimo, que como tal fundamenta-se na defesa da privacidade humana ou direito ao resguardo. Nesse escopo, a não divulgação de elementos ou informações íntimas ou reservadas de outrem faz-se impositiva, como estabelece a lei. Sendo assim, quem detém as informações sigilosas, mesmo com o consentimento do titular, não pode divulgá-las, exceto mediante determinação judicial, que é passível de contestação.

Banco de fomento, o BNDES é uma instituição financeira como outras tantas e como tal deve respeitar a legislação, não podendo render-se à pressão e às promessas de campanha de um presidente da República, que por rivalidade político-ideológica tenta instalar no País um Estado policialesco.

Não se trata de defender os malfeitos que tiveram lugar no BNDES, muitos na era petista, mas de exigir que as transgressões sejam apuradas de acordo com a lei e que os responsáveis pelos ilícitos sejam exemplarmente punidos, mas sem jamais abrir espaço para o justiçamento a qualquer preço, já que esse procedimento tende transformar o culpado em vítima.

O BNDES foi alvo de investigações da Polícia Federal, que indiciou os ex-ministros Guido Mantega e Antônio Palocci, o ex-presidente da instituição Luciano Coutinho, além do empresário Joesley Batista, da JBS, por suspeitas de operações ilícitas.

Nessa toada, que outros inquéritos sejam instaurados para apurar eventuais ilicitudes cometidas na concessão de empréstimos por parte do BNDES, mas Bolsonaro não pode tropicalizar o marcartismo apenas porque tem ojeriza pela esquerda nacional.