(*) Ucho Haddad
Jair Bolsonaro foi eleito para comandar os destinos do Brasil durante quatro anos, a partir de 1º de janeiro, mas ainda está em campanha, dado o populismo rastaquera a que se dedica, como se fosse a última tábua de salvação da república bananeira em que se transformou o País. O pior é que parte da população acredita que nessa toada será possível mudar o cenário, apostando na porção mago que nenhum integrante do próximo governo tem.
Em campanha, qualquer candidato tem o direito (sic) de falar o que quiser aos eleitores, inclusive de mentir para cabalar votos, mas uma vez vitorioso nas urnas espera-se uma mudança de postura, pois não se pode deixar o País à mercê da obrigação do cumprimento de promessas tão absurdas quanto utópicas.
O que temos visto ao longo das duas últimas semanas no escopo do governo de transição de Bolsonaro é um espetáculo pífio que mescla incompetência desmedida com euforia terceiro-mundista, o que empurra o Brasil para a vala das nações merecedoras de chacotas globais, a exemplo do que já acontece ao redor do planeta.
A cereja do indigesto bolo veio com o anúncio de que o diplomata Ernesto Araújo estará à frente do Itamaraty, emprestando à pasta das Relações Exteriores a suposta intelectualidade de alguém que por conta da carreira deveria ater-se à diplomacia, mas que durante a corrida presidencial mostrou-se um ativista bajulador. O que ao final rendeu-lhe o posto de ministro de Estado.
Chamar Araújo de “brilhante intelectual”, como fez o presidente eleito, nada significa, pois quem desconhece a intelectualidade estupefaz-se diante de qualquer despautério. Ernesto Araújo é um trumpista descontrolado, o que preocupa os diplomatas brasileiros mais experimentados, pois sabem que terão problemas mundo afora, mas de uns tempos para cá tornou-se um bolsonarista de quatro costados, quase um bolsonático, adepto do puxa-saquismo desavergonhado e irreversível.
Bolsonaro, que condenou com veemência os governos petistas por adotarem a ideologia esquerdista como baliza da política internacional, agora repete o mesmo erro, com uma guinada radical à direita e regada a pitadas de estupidez contra o globalismo.
Que Ernesto Araújo é dado à subserviência ideológica todos no Itamaraty sabem de fio a pavio, mas querer existir à imagem e semelhança de Donald Trump, o trêfego ianque, é apostar no mescabo de si próprio. Contudo, beira o devaneio acreditar que Bolsonaro – um despreparado que cultiva o revanchismo ideológico e é ladeado por um garoto-propaganda de travesseiro e um articulador político que embolsa dinheiro de caixa 2 – tem condições de fazer o Brasil grande, como sugere o chanceler ativista, mesmo estando no atoleiro econômico.
O discurso teratológico de Jair Bolsonaro na esfera da política internacional, logo após sua vitória nas urnas, apontava de chofre que o Brasil teria problemas pontuais em termos diplomáticos, precisamente por declarações a favor de Israel e contra a China, que têm um custo econômico elevado e de efeito retardado, mas a partir de agora é melhor estarmos preparados para o chamado deus-dará.
Um chanceler que se preocupa e se ocupa em agradar o chefe com palavrório rebuscado e que a reboque de bamboleios redacionais contempla críticas ao “globalismo”, à “ideologia de gênero” e ao “marxismo cultural”, não terá tempo nem disposição – quiçá competência – para cuidar dos interesses do Brasil além das nossas fronteiras.
O pensamento míope e canhestro de Ernesto Araújo surge quando afirma em um dos seus confusos textos que a Europa atual é “apenas um conceito burocrático e um espaço culturalmente vazio regido por ‘valores’ abstratos”. Essa forma acaciana de regurgitar o insano não deixa dúvidas de que em breve o alinhamento da política internacional brasileira terá a Casa Branca como epicentro.
Vetusto, o futuro chanceler da outrora Pindorama pode professar o que bem entender, desde que não profane os verdadeiros interesses nacionais. Se Trump insiste em brincar de xerife do universo, que o faça com os vinténs dos contribuintes de acolá, porque aqui estamos todos cansados da voçoroca discursiva de falsos profetas.
Ao posicionar-se ideologicamente e de maneira tão intransigente – é um direito constitucional de qualquer cidadão –, Araújo dificulta por antecipação sua atividade no novo cargo e compromete a eficácia da diplomacia nacional, que passará a depender muito mais dos comandados do que do comandante. Contudo, o próximo chefão da diplomacia tupiniquim continua acreditando que o seu psiquismo filosófico, embalado pela torpeza do pensamento trumpista e escorado no falso messianismo bolsonarista, será capaz de mudar o mundo.
Há quem garanta que a escolha do novo timoneiro do Itamaraty deu-se na esteira de artigo em que destila ódio às questões da esquerda, ao mesmo tempo em que desmancha-se na seara da sabujice ao tecer nauseantes elogios a Jair Bolsonaro. Se assim de fato foi, a anunciada equipe de notáveis do “Sassá Mutema de quepe” corre o sério risco de ser apenas de “anotáveis”. O Brasil havia dado uma guinada radical à direita, agora engatou a marcha à ré.
(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, escritor, poeta, palestrante e fotógrafo por devoção.