Ao decidir soltar presos em segunda instância, Marco Aurélio tomou medida certa de maneira errada

Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello tomou a medida certa da maneira errada ao decidir, em caráter liminar, soltar todos os presos com condenação em segunda instância. A decisão, um golpe contra o STF, foi marcada por interesses pessoais do ministro, que discorda da forma como a pauta de julgamento vem sendo manipulada na Corte. Mesmo assim, a decisão, quase meteórica, restabeleceu a ordem constitucional no País, mesmo que por poucas horas.

Marco Aurélio tem o direito de reclamar das questões “interna corporis”, mas não pode colocar a segurança jurídica do País à mercê da fogueira de vaidades em que se transformou o Supremo. Não há dúvida de que a não inclusão na pauta de votação da matéria em questão se deu por má vontade dos presidentes da Corte, no caso Cármen Lúcia e Dias Toffoli.

Além disso, Mello não quis respeitar o calendário definido por Toffoli, que agendou para 10 de abril a retomada da discussão do tema pelo plenário do Supremo. Espera-se que nessa data a Corte defina de uma vez por todas sobre a prisão em segunda instância, pois é impossível conviver com tamanha insegurança jurídica.

Na opinião do UCHO.INFO, o STF não deveria discutir a matéria, pois a Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso LVII, é clara ao determinar que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. É o que respalda a presunção de inocência.


De igual modo, o artigo 283 do Código de Processo Penal, portanto uma regra infraconstitucional, determina que “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.”

A grande questão que emperra a discussão do tema é que a opinião pública se apega à possibilidade de o ex-presidente Lula ser colocado em liberdade, como se ele fosse o único preso existente no País. Na verdade, caso a decisão do ministro Marco Aurélio não tivesse sido derrubada pelo presidente do STF, 169 mil presos poderiam ser beneficiados, considerada a ressalva de que apenados considerados perigosos não seriam contemplados.

É importante ressaltar que não se pode pautar decisões judiciais tendo a Operação Lava-Jato como baliza, pois há um sem fim de casos que independem desse cenário. Tomado por uma onda de ódio e intolerância, o Brasil de hoje é propulsado por um movimento revanchista que explica a defesa que muitos fazem do contumaz desrespeito à lei, como se isso fosse uma atitude democrática.

O mais interessante nesse cenário de aberração é que muitos ousam falar em democracia, quando na verdade isso só existe quando a lei é respeitada e aplicada em sua inteireza. No momento em que a sociedade cobra justiçamento e a Justiça teme a reação da opinião pública, cria-se um terreno fértil para o totalitarismo. Aliás, nos últimos tempos não têm faltado sugestões para que a democracia seja atropelada sem qualquer cerimônia, apenas porque alguém inventou a tese absurda de que somente à base da força e da truculência é que será possível resolver os muitos problemas nacionais.