Natal: não posso esperar 365 dias para refletir nem para me preocupar com o próximo

(*) Ucho Haddad

Quando o frenesi natalino começa a tomar conta de tanta gente, logo vem ao pensamento o “Soneto de Natal”, de Machado de Assis, que de forma insurreta finaliza o segundo terceto: “Mudaria o Natal ou mudei eu?”.

Desde a infância tenho sérias dificuldades para compreender essa data do calendário cristão, quando muitos deixam para trás a verdadeira essência. Por algumas poucas horas fingem ser aquilo que não são, até porque é preciso, ao menos nessa época do ano, ser humanamente correto.

Vencidas as farsas e as comilanças, o status quo volta à cena, confirmando o que todos sabemos: as promessas de uma só noite serviram para nada. Talvez tenham funcionado como enredo de uma encenação.

Com o passar o tempo, minha incompreensão diante do Natal só cresceu. Não porque seja intolerante, mas porque talvez seja tolerante demais. Afinal, é preciso ser um pouco do outro para festejar o Natal.

Há muito – quiçá desde sempre – o Natal não é uma data exclusiva dos cristãos, pois, além de comemoração, é um estado de espírito. E como tal não pode ter prazo de validade, muito menos curto, de algumas poucas horas.

Natal, para mim, é todo dia, toda hora, o tempo todo. Nascemos e renascemos a todo instante, a cada segundo, sempre elevando nosso melhor ao Criador. Eis a magia e a razão de viver.

Confesso estar cansado de ler, ver e ouvir mensagens natalinas que falam de paz, amor, fraternidade, compreensão e outros quetais, como se formássemos uma nação monástica. Quanta bobagem… Senhor, socorro, escutai a minha prece!

Há aqueles que ousam afirmar que o Natal é o momento propício para a reflexão. Mas no restante do ano o que se deve fazer com a reflexão? Mandá-la às favas? Dane-se o próximo? Sim, essa é a receita daqueles que, na noite em que se comemora o nascimento de Jesus, falam em amor ao próximo, compaixão, amizade, tolerância e outros ingredientes.

Por falar em tolerância, jamais vi e vivi período tão colérico, emoldurado pela intransigência. Uma coisa é buscar a perfeição, o ideal, outra é querer fazer da própria opinião a regra una, como se vivêssemos debaixo do cabresto alheio.

Na esteira do revanchismo, ter opinião tornou-se pecado, heresia, quase um crime. Fico a imaginar como será a ceia de Natal, com questiúnculas políticas servidas como digestivo (sic), depois que a ignorância fartou-se no regabofe. Em seguida, troca de presentes… Laços pomposos são desfeitos, mas os nós do rancor e do ódio por certo hão de continuar atados. Será uma reprise do que vimos nas eleições e veremos no próximo quadriênio. Um tiroteio verborrágico sem fim, onde cada um tira da cartucheira da estupidez toda munição disponível. E você vai ter de me engolir…

Nesses tempos vesgos, percebi que nem tudo é o que realmente parece. Aprendi conceitos novos, alguns decepcionantes. Perdi amigos que considerava de quase uma vida, conheci níveis mais elevados de intolerância, experimentei doses inimagináveis do ódio alheio. Conheci de perto a outra face da decepção, mas não me abati, pois é assim que a vida lapida suas gemas.

O Ano Novo está à porta e muitos já fazem planos para os próximos 365 dias. Como sempre, contrariando a mesmice tosca, espero que tudo se repita. Desejo que a vida se apresente com ela é, como sempre foi. Com suas surpresas, lições, alegrias, dificuldades e armadilhas. Foi assim que cresci, foi assim que tornei-me quem sou. Alguém sempre pronto para aprender com o inusitado. Insisto e repito: sou o melhor produto dos meus próprios erros. E sem a vida jamais teria aprendido.

Sobre o Natal, sou assim o tempo todo. Sou Natal todos os dias, sou Natal a cada instante. Por simples e única razão: não posso esperar um ano para a reflexão, para compreender o próximo, para ser tolerante, para estender a mão (sem contrapartida), para ser humano. Não posso esperar o próximo Natal para renovar a fé, para recobrar a esperança, para acreditar no meu semelhante. Sou Natal hoje, agora, amanhã, sempre. Mesmo assim, continuo tendo opinião e respeitando a alheia. Então, é Natal!

Talvez Machado de Assis estava certo quando escreveu “Soneto de Natal”, talvez o mundo mudou e eu resisti à mudança. Fiz o que era certo, o que combinava – e combina – com o meu jeito de ser e existir. Sou Natal sempre, de um Natal a outro, sem parar. Sou Natal de um jeito que não existe mais, de um tempo que não volta mais. Sou Natal porque sou assim, porque não sei ser diferente. Sejam felizes, sejam Natal!

(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, escritor, poeta, palestrante e fotógrafo por devoção.