Posse de Bolsonaro foi marcada por restrições ao trabalho da imprensa e revanchismo aos jornalistas

A posse de Jair Bolsonaro, na terça-feira (1º) parece ter sido uma indicação de como deve ser conflituosa a relação entre a grande imprensa – tanto a brasileira quanto a estrangeira – e o novo governo. Pela primeira vez em uma posse desde a redemocratização, jornalistas sofreram severas limitações para realizar a cobertura da cerimônia. Mais de mil jornalistas se deslocaram para cobrir o evento, entre eles mais de 150 profissionais estrangeiros.

Ao longo do dia, a circulação de profissionais foi restrita a um único local. Desta vez, a organização distribuiu credenciais aos jornalistas seguindo uma rígida divisão de setores onde iriam ocorrer diferentes etapas da posse. Jornalistas que receberam credenciais para assistir ao juramento no Congresso, por exemplo, não puderam ir ao Palácio do Planalto ou ao Itamaraty. Em cerimônias anteriores, a circulação dos jornalistas foi livre entre os prédios.

Vários profissionais também se queixaram do cronograma imposto à imprensa. Os profissionais credenciados tiveram que se dirigir ao Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), quase oito horas antes do início da posse. De lá, ônibus transportaram os jornalistas para diferentes locais da posse de acordo com a credencial concedida.

Membros da assessoria do Palácio do Planalto também advertiram que os jornalistas não deveriam fazer movimentos bruscos, afirmando que qualquer movimento suspeito poderia levar um atirador de elite a abater o “alvo”. Os profissionais ainda foram impedidos de levar água e alguns tipos de alimento, como frutas inteiras.

Segundo uma jornalista da “Folha de S.Paulo”, a organização justificou a proibição alegando que as frutas poderiam ser arremessadas. Já a revista “Piauí” relatou que alguns profissionais tiveram que morder suas frutas para provar que não estavam “envenenadas”. A revista também informou que repórteres fotográficos com credenciais para o Congresso foram obrigados pela polícia do Senado a fazer suas refeições em banheiros.

O cerimonial também proibiu que garrafas de água fossem levadas. Inicialmente, a organização informou que todos os locais teriam água disponível, mas vários jornalistas que esperaram longas horas relataram no Twitter que esse não foi o caso em todos os prédios e espaços.

Jornalistas credenciados para o Itamaraty – onde estava previsto um coquetel com líderes estrangeiros, no final do dia – ficaram confinados por horas em uma sala sem janelas e sem poder acompanhar o restante da posse. O evento no Itamaraty estava previsto para começar apenas às 19h, doze horas após a convocação no CCBB. A organização também determinou que, quando o evento no local finalmente tivesse início, os jornalistas ficassem em um espaço separado, sem poder entrevistar os convidados.

Segundo o jornal “Correio Braziliense”, uma equipe da emissora francesa “France 24” queixou-se do cronograma e das condições impostas, que impediam que fossem feitas imagens da população na Esplanada. Os franceses acabaram deixando o local. Em seguida, o mesmo foi feito por um jornalista argentino da agência chinesa “Xinguan”.

Em outros prédios, jornalistas também se queixaram das condições. No Congresso, segundo a Folha, os jornalistas que tiveram que aguardar sete horas no local não contaram com cadeiras. Dezenas tiveram que se sentar no chão. Alguns correspondentes estrangeiros acabaram deixando o local. Outros jornalistas se queixaram de não ter acesso à água e que as idas ao banheiro eram restritas. O comitê de imprensa também permaneceu fechado por ordem da organização.


No Palácio do Planalto, jornalistas credenciados para o local foram impedidos de interagir com membros do novo e do velho governo.

“Cubro posse desde o general João Figueiredo. Nunca houve nada tão restritivo. Naquela época, eu era uma jovem jornalista e tive acesso a vários pontos da cerimônia, circulei, fui convidada para o jantar de gala porque era responsável pela cobertura do Itamaraty. Lá pude falar com os novos ministros”, escreveu Miriam Leitão, colunista do jornal “O Globo”. Ela também disse que o uso de regras de segurança para impor tais restrições aos jornalistas “é um perigoso precedente”.

Dias antes da posse, a distribuição de credenciais para as centenas de jornalistas que apresentaram pedidos já havia causado problemas para os jornalistas. A rede francesa “France 24” – que foi mandada para a sala sem janelas no Itamaraty – havia solicitado originalmente uma credencial para a Praça dos Três Poderes. O jornal “El País” também relatou que recebeu credenciais para locais diferentes daqueles que haviam sido solicitados.

Paralelamente, houve relatos de que jornalistas militantes de veículos e grupos pró-Bolsonaro tiveram tratamento privilegiado durante a posse, conseguindo acesso a locais que foram negados para jornalistas de veículos tradicionais. Segundo um jornalista do “Correio Braziliense”, os simpatizantes de Bolsonaro exibiam um pin na roupa que permitia livre acesso. O “El País” também informou que jornalistas alinhados com o novo governo receberam credenciais “VIP”.

Um desses veículos pró-Bolsonaro chegou até mesmo explicitar orgulhosamente em mensagem publicada no final de dezembro no Twitter que “algumas mídias” tiveram “livre acesso” em todos os locais. Ao longo do dia, militantes do mesmo veículo pró-governo publicaram um vídeo negando que a imprensa estava sofrendo restrições, apesar das dezenas de relatos e das várias reportagens que comprovavam os problemas.

Alguns jornalistas credenciados para atuar em espaços abertos, como a Praça dos Três Poderes, também sofreram com a hostilidade de apoiadores de Bolsonaro que foram acompanhar a posse. Vários jornalistas foram chamados de “comunistas” e alvos de ofensas. Os apoiadores também gritaram palavras de apoio à Rede Record, a emissora do bispo Edir Macedo, que apoiou ativamente o novo presidente abertamente durante a campanha eleitoral.

As limitações ao trabalho da imprensa foram alvos de protesto do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal (SJPDF) e da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).

“Um governo que restringe o trabalho da imprensa ignora a obrigação constitucional de ser transparente. Os brasileiros receberão menos informações sobre a posse presidencial por causa das limitações impostas à circulação de jornalistas em Brasília”, declarou a Abraji no Twitter.

Antes da posse, o SJPDF já havia se queixado das condições impostas aos jornalistas. O sindicato havia frisado que não é novidade que a cerimônia de posse ocorra, em diferentes momentos, em diferentes pontos da Esplanada dos Ministérios e na Praça dos Três Poderes, mas, “pela primeira vez, os jornalistas credenciados não poderão transitar entre o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional, num ato claro que limita a livre atuação da imprensa”. (Com agências de notícias)