Ainda deputado estadual, Flávio Bolsonaro deveria recorrido ao TJ do Rio de Janeiro, não ao STF

Há muitas declarações desencontradas por parte do deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro no âmbito do escândalo carrega na proa o ex-assessor Fabrício Queiroz. O filho do presidente da República disse, logo após a divulgação do relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que não tinha qualquer responsabilidade, direta ou indireta, pela movimentação bancária “atípica” de Queiroz.

Dias mais tarde, Flávio declarou que em conversa com o ex-assessor ouviu dele “explicação bastante plausível”, o que deu a entender aos desavisados que tudo não passava de um assunto que carecia apenas de explicação mais elaborada. Contudo, para quem conhece o modus operandi da política nacional a declaração do senador eleito não convenceu.

Não demorou muito e Flávio Bolsonaro declarou que não é responsável pelo que fazem seus assessores além dos limites do gabinete parlamentar, sendo que cabe apenas a Fabrício Queiroz dar as devidas explicações sobre o caso. O que não aconteceu até então.

Queiroz não é um inexperiente qualquer que despencou por acaso no gabinete de Flávio Bolsonaro. Ao contrário, é amigo de longa data de Jair Bolsonaro e foi trabalhar com Flávio porque, além de ser pessoa de confiança da família, é o que muitos chamam de “cobra criada”. O que explica o fato de ter empregado várias pessoas no gabinete de Flávio.

Ao deixar de comparecer a dois depoimentos agendados pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, Fabrício Queiroz sabia o que estava fazendo. Não eixou de depor apenas por orientação dos advogados ou por questões de saúde, como alegado ao MP, mas porque, como policial militar experiente, sabe o momento certo de exigir aquilo que lhe é devido.

Nem mesmo alguém dotado de doses extras de inocência é capaz de acreditar que Fabrício depositou R$ 24 mil na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro para quitar parte de empréstimo concedido pelo atual presidente da República. Essa desculpa não convence e serviu, no primeiro momento, para abafar um escândalo que ganhou força e musculatura com o passar dos dias.


No último dia 10, Flávio Bolsonaro era esperado no MP fluminense para depor na condição de testemunha, mas deixou de fazê-lo sob a alegação de que não teve acesso ao inquérito. E prometeu agendar nova data para depor. É importante ressaltar que Flávio não foi intimado a depor, mas convidado.

Há mais de uma semana, Flávio Bolsonaro já sabia que recorreria ao Supremo Tribunal Federal (STF) com o objetivo de suspender o inquérito contra Fabrício, apenas porque teria tomado conhecimento de que o MP do Rio de Janeiro havia solicitado ao Coaf informações a seu respeito. É difícil crer que, se isso de fato aconteceu, o MP não solicitou a devida autorização judicial.

No momento em que busca guarida no STF, Flávio Bolsonaro passa da condição de alegado inocente para investigado, pois não havia razão para agir como preposto de Fabrício Queiroz, mesmo sob a justificativa de que o MP eventualmente tenha requisitado ao Coaf informações sobre sua movimentação bancária.

Se Flávio já tinha conhecimento dessa suposta solicitação ao Coaf, não deveria ter esperado tanto tempo para recorrer ao Supremo. Poderia ter adotado o mesmo procedimento na semana anterior, quando o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, respondia pelo plantão. Ao contrário, deixou para a corrente semana, ciente de que após o dia 15 o plantão estaria a cargo do ministro Luiz Fux.

Recorrer ao Supremo sob a justificativa de foro privilegiado como senador eleito é excesso de ousadia com bamboleio interpretativo da lei. Ninguém pode se valer de uma prerrogativa do cargo se nele ainda foi empossado. E Flávio Bolsonaro ainda continua deputado estadual, conforma consta no site da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Sendo assim, seus advogados deveriam ter recorrido ao Tribunal de Justiça do Rio. Ir ao STF lança nova cortina de fumaça sobre um caso que há muito gera desconfiança na opinião pública.

Muito além do eventual envolvimento de Flávio no escândalo protagonizado por Fabrício Queiroz, está em jogo o mandato de Jair Bolsonaro, que com a atitude do filho foi arrastado para o olho do furacão. Caso o ministro Marco Aurélio Mello, relator do caso no STF, decida manter a decisão de Fux, a Procuradoria-Geral da República, por dever de ofício, terá de investigar Jair Bolsonaro, que admitiu publicamente ter recebido dinheiro de Queiroz, através de depósito na conta da primeira-dama.

De acordo com o que manda a lei, o presidente da República não pode ser processado por atos alheios ao mandato, mas pode ser investigado. O que gera um desgaste considerável em termos políticos, principalmente para quem tem como meta a aprovação de matérias polemicas no Congresso, a começar pela reforma da Previdência.