Bajulação a Bolsonaro exige perder a vergonha, atropelar o bom senso e fuzilar o bom jornalismo

(*) Ucho Haddad

Desde o final do ano passado, mais precisamente desde a conclusão do segundo turno da corrida presidencial, ouve-se aos quatro cantos que a partir de 1º de janeiro tudo seria diferente no Brasil. Como se uma chave pudesse ser acionada para mudar a nossa dura realidade. O calendário mudou, é fato, mas no restante está tudo como no castelo de Abrantes. Os problemas continuam iguais, até porque Jair Bolsonaro não é a versão tropical do Mágico de Oz.

Mesmo assim, é preciso reconhecer que em alguns quesitos a realidade verde-loura mudou em poucas semanas, o que é de se lamentar. Jornalistas, que por dever de ofício sempre foram ávidos por informações, agora se conformam com qualquer discurso mambembe, anoréxico em termos de esclarecimentos, dando a entender que ou se renderam à estupidez oficial ou concluíram que de nada adianta mostrar o óbvio a quem não entende.

Em sua estreia no cenário internacional como presidente, Jair Bolsonaro fez um pronunciamento em Davos (Suíça), para participantes do Fórum Econômico Mundial, considerado raso e sem consistência. Em suma, o mandatário brasileiro perdeu a oportunidade de dar aos investidores o recado esperado. Mesmo assim, a claque de aluguel de Bolsonaro conseguiu classificar o discurso como “espetacular”, entre tantos outros adjetivos absurdos.

Alguns jornalistas experientes, sabe-se lá por qual motivo – que ninguém diga que é por coerência –, decidiram que o discurso pífio de Jair Bolsonaro foi conciso e objetivo. A extensa maioria da imprensa – nacional e internacional – classificou o pronunciamento do presidente brasileiro como oportunidade perdida, mas alguns troca-letras da Banânia, dispostos a jogar o currículo no lixo, colocaram-se na contramão da lógica. Novos tempos, como anunciado pela patuleia, talvez tempos de sabujice explícita. Mas nem todos foram contaminados por esse mal que devora parte da classe.

Na elegante Davos, o vexame foi tamanho, que até agora surgem desculpas para justificar o injustificável, muitas delas avançando no binarismo do pensamento, pois trazem de volta à baila Lula e Dilma – ele condenado e preso, ela vivendo o ostracismo merecido. Para atormentar ainda mais o ego de Bolsonaro, alguns bajuladores de plantão afirmaram que o ministro Paulo Guedes, o “Posto Ipiranga”, no dia seguinte deu o seu recado e consertou o estrago. A conferir, como prega São Tomé.

Sendo assim, considerando que o ser humano ainda é finito, não é errado concluir que se Paulo Guedes despedir-se da vida – não como Getúlio Vargas – o governo acaba ou Bolsonaro não mais poderá ir além das nossas fronteiras. Para quem se apresentou, durante a campanha, como o único candidato capaz de resolver os problemas do Brasil, Bolsonaro é a fulanização do fiasco.

Aplaudir o pronunciamento de Bolsonaro em Davos só tem duas explicações: ou o jornalista perdeu o bom senso ou perdeu a vergonha. Como cada um tem sua receita de sobrevivência e a necessidade não tem limites, que esses proxenetas da informação um dia acertem as contas com a vida, pois é inconcebível classificar como espetacular uma vitória de Pirro.

Reconheço que o estrago produzido pelo PT ao longo de treze anos e alguns meses foi devastador, tendo, inclusive, afetado a forma de pensar de muita gente, mas não se pode aceitar uma conversa fiada e de quinta como a última das profecias. Alguns profissionais do jornalismo, que não mais se importam com a própria reputação, arriscaram dizer que o discurso de Jair Bolsonaro foi na medida do que os investidores internacionais queriam ouvir. O que é uma inverdade!

Posso estar equivocado, mas é irresponsabilidade em último grau acreditar em uma afirmação qualquer sem saber como o que está sendo dito será viabilizado. O que Bolsonaro falou aos investidores em Davos pode ser comparado ao sujeito que acorda de manhã, salta da cama correndo e começa a fazer as malas. Questionado pela família sobre o que está a fazer, responde que em instantes partirá em viagem para a Lua. Ora, cada um faz o que bem entende e diz o que der na telha, mas se o cidadão não é astronauta, não tem um foguete na garagem e sequer é parente do Professor Pardal, o melhor é ligar para o hospício.

Liberalismo econômico, tese defendida pelos discípulos da Escola de Chicago e pela equipe liderada por Paulo Guedes, está na moda – não se sabe por quanto tempo – e faz bem aos pulmões de alguns supostos entendidos em economia ao ser pronunciado. Mesmo assim, não está livre das seis perguntas básicas que todo jornalista que se preze deve fazer: “o que, quem, quando, por que, como e onde.”

Contudo, alguns resolveram esquecer essa regra primordial do jornalismo, talvez por alguma conveniência canhestra. Sem isso, o liberalismo econômico, do jeito que Bolsonaro apresentou em Davos, vira vale tudo. E de vale tudo o brasileiro está cansado e o inferno está repleto.

Por sorte, apesar dos xingamentos, dos ataques torpes e das ofensas desnecessárias, continuo sendo jornalista como sempre fui, sem moldar a coerência à ocasião. Afinal, como disse o filósofo alemão Friedrich Nietzsche, “o que não provoca minha morte faz com que eu fique mais forte”, ou, então, como profetizou o pensador francês Jean-Jacques Rousseau, “as injúrias são as razões dos que não têm razão”. Aguardemos, pois!

(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, escritor, poeta, palestrante e fotógrafo por devoção.