Sacripanta, Bolsonaro disse que “a ditadura errou ao torturar e não matar”, agora minimiza comemorações

(*) Ucho Haddad

Se há no repertório popular uma frase que se encaixa na tosca realidade de Jair Bolsonaro, a mais indicada com certeza é “quem não te conhece que te compre”. Afinal, quem jamais ouviu falar no capitão que mais parece o “Recruta Zero” da história em quadrinhos quando o assunto é parvoíce, o seu falso moralismo chega a convencer os desavisados por alguns instantes. Nada além disso, pois sua oratória mambembe o trai na sequência.

Fulanização da farsa, Bolsonaro é um amontoado de idas e vindas na seara dos discursos, já que sua coragem para sustentar o que fala é próxima de zero. A situação piorou sobremaneira depois da chegada ao Palácio do Planalto, já que a liturgia do cargo exige comedimento nas declarações, algo que o presidente desconhece.

Nutrindo há décadas obsessão doentia por um cenário político sem a presença da esquerda nacional, o que remete ao totalitarismo, Jair Bolsonaro jamais escondeu seu descontrolado apreço pela ditadura militar, assim como pelos métodos truculentos adotados pelos generais e seus subordinados para enfrentar os adversários ideológicos.

Há dias, Bolsonaro determinou ao Ministério da Defesa que no próximo dia 31 todas as unidades militares do País realizem as “comemorações devidas” pelos 55 anos do golpe de 1964, que deu início a um regime ditatorial e ao longo de 21 anos manchou a história do País com episódios marcados por violência e supressão de liberdade.

Diante das reações decorrentes da sua absurda determinação, Jair Bolsonaro, que fez ouvidos moucos aos conselhos dos generais palacianos, se viu obrigado a mudar o discurso para não cair em desgraça junto à opinião pública. Até mesmo muitos dos seus devotos passaram a criticá-lo pela decisão de determinar as tais comemorações nos quartéis, algo classificado como desnecessário. Até porque, como manda o bom senso, deve-se comemorar aquilo que é bom ou traz boa lembrança. E não é o caso da ditadura militar.

Os dias foram passando e Bolsonaro promoveu ajustes finos no palavrório sobre o golpe de 64, revelando ao País que não é um homem de palavra (não é novidade). Os que sofrem de “bolsopatia” hão de dizer que é melhor recuar antes do estrago consumado, mas no caso em questão essa teoria esdrúxula não encontra guarida.

Em entrevista, o presidente minimizou a ordem para a realização das comemorações, alegando que o regime militar não foi propriamente uma ditadura, mas um período com alguns “probleminhas”. Usar esse termo para se referir a um regime que perseguiu, torturou e matou nos porões é no mínimo delinquência intelectual. Mas Bolsonaro não se importa com esse tipo de situação, desde que sua ideia ou vontade prevaleça, principalmente agora que é o dono da caneta.

Dono de incompetência nacionalmente conhecida, Jair Bolsonaro é órfão do preparo necessário para ser presidente da República, o que explica os seguidos vexames no cargo. Seus apoiadores, sempre descontrolados e destilando ódio pelas ventas, recorrem à “síndrome do retrovisor” para justificar os tropeços do ídolo, do mito que esfarela. Alegam que Lula isso, que Dilma aquilo… Digam o que quiser, mas nada muda a dura realidade enfrentada por Bolsonaro.

Como o primeiro adoçamento do discurso sobre as comemorações do golpe não surtiu efeito, o indômito presidente foi aconselhado pelos palacianos a brandear ainda mais a própria fala. Foi então que surgiu uma declaração absurda e eivada pela mitomania, que por certo faria o bobo da corte morrer engasgado de tanto rir. Mas não se deve descartar a hipótese de Bolsonaro estar a desempenhar dois papéis: o de presidente e o de bobo da corte.

Na capital dos brasileiros, Bolsonaro sequer corou as maçãs da face ao afirmar que não determinou que o “31 de março” fosse comemorado, mas rememorado. Em outras palavras, o presidente da República mentiu de maneira acintosa para sobreviver politicamente, mas a sociedade preferiu o silêncio, quando na verdade deveria contestá-lo com contundência, uma vez que sua determinação é recente e ainda não caiu no esquecimento.

Tanso com todas as letras, Jair Bolsonaro abusa da ousadia quando convém. E foi assim que o presidente agiu ao retomar o tema e dizer que a recomendação (é diferente de determinação) para rememorar o golpe de 64 “serve para rever, ver o que está errado, o que está certo”.

Até mesmo os integrantes da seita bolsonarista, em momento de lucidez plena, sabem que Jair Bolsonaro é movido pela estupidez, mas é impossível aceitar sua mais recente e adocicada declaração sobre o golpe militar e seus arrepiantes desdobramentos. E quem disser que nada de errado há na declaração de Bolsonaro é maniqueísta convicto ou já está em fase avançada no processo de abdução.

A afirmação “ver o que está errado” não cabe, nem mesmo à sombra do mais agudo devaneio, no discurso de alguém que afirmou publicamente, em 2016, que “o erro da ditadura foi torturar e não matar”.

(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, escritor, poeta, palestrante e fotógrafo por devoção.