Cem dias, sem calma

(*) Carlos Brickmann

Passados cem dias do Governo Bolsonaro, com alas internas em luta, com projetos importantes atrapalhados por brigas desnecessárias, com inesperada queda de popularidade, o presidente decidiu reverter o quadro: em 18 atos, colocou na linha de frente medidas há longo tempo defendidas por bons economistas – como a autonomia do Banco Central, com mandatos fixos para seus diretores, reduzindo a influência política na defesa do valor da moeda; leis desejáveis, como a proibição, ao menos no Executivo, de rapapés e formalidades do tempo do Império; e uma ação que lhe dará popularidade maior, o 13º salário para quem recebe a Bolsa Família.

O Banco Central nasceu com autonomia, e nos idos de 66 já controlava a inflação. Mas estávamos na ditadura que, dizem, não houve, e o marechal Costa e Silva mudou tudo: deu o comando do Banco Central ao Ministério da Fazenda. A inflação cresceu bem, obrigado, e só foi vencida nos anos 90. Voltamos à posição correta: a defesa da moeda é maior que os governos. E, antes que digam que o presidente está fazendo demagogia ao se apropriar da ideia da Bolsa Família, implantada por Lula, é bom lembrar que distribuir dinheiro aos necessitados (em vez de dar-lhes serviços gratuitos) é a base do Imposto de Renda Negativo, ideia de Milton Friedman. E é bom lembrar que o superministro Paulo Guedes é discípulo de Friedman, membro da Escola de Chicago. Palpite deste colunista: a Bolsa Família tende a se ampliar.

Repassando

Vários teóricos liberais (que, no Brasil, seriam “de direita”) defenderam a entrega direta de dinheiro aos pobres. Como disse o economista austríaco Hayek, em visita ao Brasil, não adianta dar leite a quem quer farinha. É melhor dar dinheiro para que cada um o use conforme sua preferência, e não obrigá-lo a consumir o que não quer. No Brasil, o senador Suplicy, “de esquerda”, foi o grande batalhador desta causa “de direita”.

Como funciona o Imposto de Renda Negativo, de Milton Friedman: estabelece-se uma renda de corte. Como, por exemplo, R$ 5 mil mensais. E um imposto, digamos, de 20%. Quem ganha mais de R$ 5 mil mensais paga, sobre o excedente, um imposto de 20%. Quem ganha menos recebe o suficiente para cobrir metade do que lhe falta para completar R$ 5 mil mensais. E os penduricalhos, tipo Leve Leite, água grátis em favelas, tudo isso acabaria. Muitos impostos seriam substituídos por este. E por que este colunista acredita na ampliação do Bolsa Família? Porque Paulo Guedes acredita nele e manda no pedaço. E porque mais Bolsa Família quer dizer mais popularidade para o presidente.

Senhor, senhora. E está ótimo!

Há quem diga que, num país cheio de problemas, não tem sentido proibir expressões como Vossa Excelência, Exmo. Sr. Professor-Doutor, ou o incrível Vossa Magnificência. O Império caiu há mais de cem anos e não há sentido em manter títulos desse tipo. Imagine que o caro leitor ache que um determinado ministro é uma besta quadrada, mas seja obrigado a chamá-lo de Excelência, como se o achasse excelente. E aquele reitor que, a seu ver, para burro só lhe faltam as penas, é Vossa Magnificência. Ridículo. Já vi, numa CPI, gente gastando tempo para explicar a uma testemunha que, caso fosse parlamentar, deveria tratá-lo de Vossa Excelência; caso não fosse, de Vossa Senhoria. Bolsonaro fez um gol. É uma lei que, espero, pegue.

Vai passar

Pesquisa publicada pelo jornal Valor Econômico mostra que 201 congressistas devem votar pela aprovação da reforma da Previdência. O número ainda não é suficiente, mas cresceu 35% de março para cá. A tendência é de que a reforma passe, embora com modificações.

Cada vez aumenta mais

O ministro Onyx Lorenzoni justificou os tropeços dos primeiros cem dias de Bolsonaro dizendo que o presidente está fazendo os mesmos ajustes que Felipão, técnico do Palmeiras, fez no ano passado e deram certo. Onyx entende de futebol o mesmo que de articulação política. O Palmeiras de Felipão perdeu a final do ano passado para a Corinthians em seu estádio, depois de gastar R$ 60 milhões em reforços. Neste ano, está fora das finais, eliminado pelo São Paulo. Na última Copa que dirigiu, Felipão levou de 7×1.

Boa notícia

A projeção da safra deste ano é de 235,5 milhões de toneladas. Garante a alimentação interna e o superávit nas contas externas.

Está preso. E daí?

O ex-presidente Lula, preso há pouco mais de um ano, espera que o STJ julgue o recurso que apresentou. Está tudo pronto e o recurso deveria ser julgado nesta semana. Como um ministro faltou, por questões particulares, o julgamento foi adiado. A semana que vem é Semana Santa. Portanto, o caso só será julgado no dia 23. A ideia de que a Justiça tarda, mas não falha é falsa.

A Justiça, quando tarda, é falha – seja para condenar ou absolver.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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