Pareceres jurídicos da Câmara e do Senado apontam ilegalidades no decreto das armas de Bolsonaro

Técnicos da Câmara dos Deputados e do Senado afirmam, em parecer jurídico, ser ilegal o decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro que flexibiliza o porte de armas de fogo, pois viola o Estatuto do Desarmamento.

De acordo com os analistas do Legislativo, as mudanças nas regras atuais para obtenção do porte de arma de fogo só poderiam ocorrer por meio de nova legislação, o que dependeria de aprovação do Congresso. Esse alerta foi feito também por juristas, partidos de oposição e entidades do terceiro setor, mas o Palácio do Planalto preferiu fazer ouvidos moucos.

Na Câmara, parecer do secretário-geral da Mesa da Câmara dos Deputados, Leonardo Augusto de Andrade Barbosa, feito a pedido do presidente Rodrigo Maia (DEM) aponta que diversas mudanças nas regras atuais só poderiam ser feitas por meio de lei, não através de decreto. Uma delas é a supressão da obrigatoriedade de demonstrar a efetiva necessidade para obtenção do porte de armas para determinadas categorias profissionais.

Outra bizarrice jurídica de Bolsonaro, ainda de acordo com o parecer da Câmara dos Deputados, é que o decreto expande o porte para todos os praças das Forças Armadas, apesar de a lei citar que devem ser observadas “restrições impostas” pelo Exército, Marinha e Aeronáutica. Ou seja, esse trecho do decreto é natimorto em termos de efeito.

No Senado, parecer da consultoria legislativa da casa faz alerta idêntico: o texto ultrapassou com folga o limite de regulamentação de um decreto presidencial. O estudo foi feito a pedido dos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Fabiano Contarato (Rede-ES), que apresentaram projeto de decreto legislativo para anular os efeitos do decreto assinado por Bolsonaro no último dia 7.

Segundo os técnicos do Senado, o decreto presidencial ampliou o porte de armas contrariando o que estabelece o Estatuto do Desarmamento, que exige comprovação de “efetiva necessidade” para uma pessoa ter autorização para portar arma de fogo. Eles classificaram como “exorbitante” a ampliação dos servidores habilitados a portar arma nos órgãos em que atuam. A flexibilização foi estendida para 19 categorias, entre elas políticos, caminhoneiros e moradores de área rural.


O parecer aponta também que a concessão do porte a várias das categorias elencadas pelo decreto presidencial, como oficial de Justiça e agente de trânsito, está sendo discutida por propostas no Congresso Nacional e que, enquanto não for autorizada por lei, esses servidores devem, pelo Estatuto do Desarmamento, obter autorização com a Polícia Federal e comprovar “efetiva necessidade por exercício de atividade profissional de risco ou de ameaça à sua integridade física”.

Além disso, no entendimento dos consultores, o decreto também ultrapassou o limite legal ao conceder o porte de arma de fogo geral e irrestrito aos colecionadores e caçadores, “presumindo, de forma absoluta, que tais categorias cumprem o requisito de ‘efetiva necessidade’”.

Outro ponto do decreto contestado pelos técnicos é o de não exigir de quem reside em propriedade rural o requisito da idade superior a 25 anos de idade para o porte e a comprovação da necessidade do porte.

O tal decreto foi elaborado de forma tão açodada, que no dia da sua assinatura o presidente da República sequer disponibilizou à imprensa o texto. As muitas reações ocorridas após a publicação do decreto no Diário Oficial da União (DOU) comprovam a maneira amadora como o governo tratou do assunto, apesar das muitas negativas dos palacianos.

Nesta sexta-feira (10), em Foz do Iguaçu, Bolsonaro, ao ser questionado sobre o decreto, disse que “se for inconstitucional, tem de deixar de existir”. “Teremos um bom embate no tocante a isso (decreto das armas), pode ter certeza. Não estamos fazendo nada mais do que o povo quis em 2015. E estamos dentro do limite da lei. Se for inconstitucional, tem que deixar de existir. Quem vai dar a palavra final é o plenário da Câmara ou a justiça”, afirmou o presidente.”

Ora, se o Palácio do Planalto aventa a possibilidade de o decreto deixar de existir, por qual razão levaram adiante um assunto eivado pela inconstitucionalidade? Bolsonaro está a esticar a corda na tentativa de testar os Poderes constituídos. Em algum momento a corda há de estourar. Resta saber quem se dará mal nessa brincadeira de governar.