Em discurso na Fierj, Bolsonaro abusa da vitimização e insiste em demonizar a classe política

No momento em que a articulação política do governo e o Palácio do Planalto é corroído pela inoperância, o presidente Jair Bolsonaro erra mais uma vez ao insistir em atirar na direção do Congresso Nacional, como se a culpa do seu fracasso como chefe do Executivo fosse dos parlamentares.

Ciente desde que iniciou sua campanha à Presidência que o País estava cercado de problemas, Bolsonaro ignorou o fato de que a solução passaria obrigatoriamente pelo Legislativo. Com um discurso recheado de promessas impossíveis de serem cumpridas, o Bolsonaro elegeu-se acreditando que a classe política em pouco se colocaria de joelhos, abrindo caminho para um governo populista de direita que flerta diariamente com o retrocesso e o totalitarismo disfarçado.

Terceirizar a responsabilidade pelo fiasco é o que resta a Jair Bolsonaro, já que sua situação piora com o passar dos dias. Tanto é assim, que uma irresponsável manifestação em seu apoio foi convocada para o próximo dia 26, sendo que a decisão foi tomada a partir das seguidas mensagens disparadas pelo próprio presidente, que não se cansa de criar frentes de conflito com o Congresso.

Colecionando polêmicas em quase cinco meses de governo, Bolsonaro afirmou, nesta segunda-feira (20), durante discurso na Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (FIERJ), que “o problema é a classe política”. “É um país maravilhoso que tem tudo para dar certo, mas o grande problema é a nossa classe política”, declarou o presidente da República.


Se Bolsonaro acredita que dessa maneira conseguirá aprovar medidas de interesse do País e levar seu pífio governo adiante, é melhor o brasileiro se preparar para o pior, pois não é assim que se governa nem se faz política. O que o presidente da República intenta é instalar no País um regime totalitarista em que o Parlamento é mero cumpridor de ordens do Executivo.

A ingovernabilidade que ora impera no País foi criada pelo próprio Bolsonaro ao longo de quase cinco meses, mas diante dos seguidos fracassos o presidente tenta empurrar a responsabilidade para o Legislativo na esperança de escapar do pior, que seria uma eventual renúncia ou um possível avanço de pedido de impeachment – e há motivos de sobra para isso.

Diferentemente do que afirma, Jair Bolsonaro não quer governar de forma democrática, mas impor a força seu pensamento retrógrado. E para tal abusa da demonização da classe política. Se de fato os parlamentares estão a exigir contrapartidas para aprovar medidas de interesse do País, que Bolsonaro venha a público e delate um a um. Do contrário, continuará na condição de gazeteiro persistente que recorre ao discurso mitômano para permanecer no poder. Ao não denunciar os que pregam a continuidade da corrupção, o presidente faz da sua omissão uma quase conivência.

Quem conhece a política nacional sabe que Bolsonaro está a mentir, mas agarra-se à vitimização como forma de não perder apoio popular. Negociar com partidos políticos para garantir um governo de coalizão não é crime e países democráticos valem-se dessa estratégia para avançar em termos de governança. Crime é aceitar a negociata. E Bolsonaro confunde uma coisa com outra.

É preciso compreender que em qualquer cenário prevalece o instinto de sobrevivência. Isso também vale para a política brasileira. Talvez valha principalmente para a política brasileira. E não será dessa maneira, atacando de forma recorrente o Congresso Nacional, que Bolsonaro chegará a bom termo. O máximo que ele eventualmente consiga seja encurtar o próprio mandato. Diz a sabedoria popular que “quem procura, acha”.