(*) Maria Lucia Victor Barbosa
As mudanças contidas nas espirais do tempo apresentam variados aspectos que espelham o tipo de sociedade e o momento histórico em que se inserem, mas a essência do poder com seus embates, ganâncias, vaidades, violências, traições, invejas é sempre o mesmo. Para entender melhor o que afirmo, convido aos possíveis leitores a uma volta ao passado, onde estão as chaves da compreensão do presente.
A Constituição de 1824 incluiu, além dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, o poder Moderador, que na verdade transformava D. Pedro I em árbitro supremo dos demais poderes, sem nenhuma dependência dos mesmos, o que não impedia que persistisse o clima de empreguismo e de caça a títulos que sempre fascinaram portugueses e brasileiros.
Entretanto, nem o poder Moderador tornaria D. Pedro I imune ao fenômeno latente na América Latina: a ingovernabilidade. Isto porque, na medida em que os maiores beneficiários dos altos cargos eram portugueses, a corrente liberal dos brasileiros passou a minar a autoridade do imperador, retirando-lhe aos poucos o apoio dos senhores territoriais. A crise chegou ao auge quando ascendeu o chamado “Gabinete dos Medalhões”, acusado pelos liberais de ideologia absolutista e de “portuguesismo”. A palavra de ordem foi então obrigar D. Pedro I a reintegrar o gabinete anterior. Como ele se recusou, partiu-se para uma solução pretorianista: foi pedida a intervenção do brigadeiro Francisco de Lima e Silva, que na verdade usou a diplomacia e não a força.
Tudo terminou como se sabe e aqui não se pretende entrar nos detalhes da abdicação. O fato é que na madrugada de 7 de abril de 1831, ao imperador que proclamara a independência do Brasil e que governara amparado pelo poder Moderador, o grito de “independência ou morte” deve ter parecido uma reminiscência perdida no tempo, a reboar muito longe, sem ressonância junto ao povo, sem força diante dos novos detentores do poder. D. Pedro aprendeu que no Brasil governar é muito complicado.
Outros casos aconteceram a demonstrar a mesma coisa, mas voltemos ao momento atual. Ficou claro na recente eleição presidencial que a expressiva vitória do candidato Jair Messias Bolsonaro, que alcançou quase 58 milhões de votos, se deveu entre outros fatores ao cansaço cívico gerado pela cleptocracia petista que reinou por quase 14 anos e que, inclusive, levou o país à recessão. Amparado por um pequeno partido, sem recursos financeiros, praticamente sem tempo de televisão, o candidato Bolsonaro se fortaleceu também com um discurso voltado para valores que a esquerda destroçara.
Forças políticas desesperadas por antever perda de poder chegaram a tentar seu assassinato. Institutos de pesquisas erraram fragorosamente e decretaram que era impossível tal candidato ganhar. Mas o sistema não conseguiu evitar sua vitória, que veio através do que chamei de quinto poder, ou seja, das mídias sociais, sendo que uma de suas promessas de campanha foi não compactuar com o toma-lá-dá-cá, prática tão tradicional no Legislativo e que ficou muito evidenciada pelo mensalão instituído no governo de Lula da Silva, atualmente como presidiário.
Ao tomar posse o presidente Bolsonaro foi torpedeado por tudo que dissesse e fizesse, ridicularizado, desrespeitado. Na verdade, seu começo de mandato foi confuso e a origem disso foram influências externa e internas indevidas.
Além disso o Congresso, não como instituição em si que com os demais poderes compõe o tripé da democracia, mas com suas facções que não admitem perder privilégios e benefícios pessoais, engessaram o Executivo. De lá e de parte da mídia ressoam a palavra impeachment, apesar do governo não ter chegado a cinco meses. Dos seus alicerces fumegantes o PT e demais partidos de esquerda ou não, tramam a queda do presidente.
No momento se fala em parlamentarismo branco. De fato, amordaçado pelo Congresso, o presidente tem sofrido muitas derrotas no Legislativo que resolveu comandar a revelia do Executivo. É verdade que Bolsonaro conseguiu vencer através da recente aprovação da reforma administrativa, mas à custa da derrota do ministro Sérgio Moro que perdeu a Coaf para outro ministério. Aliás, sua luta contra a violência, o crime organizado, a injustiça, tão vitoriosa enquanto foi juiz sucumbe agora no Congresso e pela interferência de outras instituições como a OAB, o que confirma que no Brasil o crime compensa.
Estamos numa encruzilhada perigosa e precisamos ser sustentados palas forças realmente democráticas e equilibradas que existem dentro do governo. Como disse Joaquim Nabuco: “A fatalidade das revoluções é que sem os exaltados não é possível fazê-las e com eles é impossível governar”. De todo modo, o presidente Bolsonaro está aprendendo rápido que governar é muito complicado.
(*) Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga, professora e escritora, autora de, entre outros livros, “Voto da Pobreza e a Pobreza do Voto – a ética da malandragem” e “América Latina – em busca do paraíso perdido”.
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