(*) Ucho Haddad
“Mas é preciso ter manha. É preciso ter graça. É preciso ter sonho sempre. Quem traz na pele essa marca possui a estranha mania de ter fé na vida.” (Milton Nascimento)
Perdi a conta de quantas vezes, ao longo da vida, mudei o caminho traçado. Algumas na esteira do impulso, outras, de caso pensado. Também mudei por ser homem de fé e acreditar que é preciso arriscar para saber se o sonho de fato vira realidade. Sem qualquer dose de arrependimento, até porque arrepender é verbo que conjuguei em raras ocasiões, errei muito mais do que acertei. Entre erros e acertos, percebi que a realidade está a anos-luz do que imagina a maioria incauta.
Foi sonhando acordado que a vida me fez como um todo. Foi sonhando acordado, sempre e a cada dia, sem parar, que percebi e ainda percebo a importância de estar jornalista, porque informar, sem rapapés ou meias verdades, é preciso. Essa aula magna da vida obrigou-me, lá atrás, a tomar uma decisão que muitos jamais tomariam, principalmente pelo objetivo da decisão.
Depois de anos a fio vivendo longe do Brasil, retornei para, em breve parada, equalizar a sintonia familiar, que à época emitia ruídos e chiados por conta da distância e da ausência. Encerrada a temporada de ajustes, era hora de partir para nova investida em outros destinos. Sim, era, mas de novo mudei o traçado da vida. Algo dizia que deveria ficar por mais algum tempo. O quanto, não sabia, mas fiquei sem muito pensar.
Se “chegar e partir são só dois lados da mesma viagem”, como mostram os versos de “Encontros e Despedidas”, decidi ficar porque “o trem que chega é o mesmo trem da partida”. Se não fosse num trem, iria noutro. Era preciso mudar, naquele momento não mais o meu caminho, que já estava com a rota alterada, mas a realidade da terra natal. Pelo menos o impulso me levou a tentar. Afinal, era chegado o momento de não mais mandar “notícias do mundo de lá”. E coube a mim dizer quem ficaria.
Há dezoito anos, em 17 de julho de 2001, plantei a semente do que hoje é o UCHO.INFO. Quase duas décadas se passaram sem que percebesse a rapidez com que cada página do calendário se movia, perdendo-se no tempo. Tantos escândalos e absurdos se repetiram no cotidiano, que só tinha motivação para decifrar um país devorado pelo desmando e pela corrupção. Para escrever, informar, fazer o que sempre fiz com máxima devoção e entrega: jornalismo como manda o figurino. Quer dizer, como mandava o figurino, hoje deformado pela torpe subserviência jornalística de alguns.
Prometi a mim mesmo que a permanência nas plagas verde-louras seria por pouco tempo. Porém, nunca abandonei o lema que me move a cada instante: jornalismo é profissão de fé. É fazer a cada dia tudo sempre igual, como se novidade fosse.
O Brasil mudou, revelou suas entranhas, surpreendeu a muitos. Aliás, o Brasil continua surpreendendo. E assim será por longos anos, pois o brasileiro carece desse redemoinho do impossível. São tantos torvelinhos no profano cenário, que por vezes é difícil saber se o amanhã há de chegar. Mas é preciso ter fé, é preciso sonhar, mesmo que tudo pareça um pesadelo sem fim. O bom senso deu lugar à intolerância descabida, a parcimônia sucumbiu ao ódio gratuito, o óbvio foi atropelado pelo radicalismo repentino. É preciso ter fé porque, dizem os mais crédulos, Deus é brasileiro. Se verdade for, lamento por Ele.
É preciso ter fé, é preciso sonhar. Assim continuo a agir e a pensar. Acreditando que é possível fazer mais, sempre mais, apesar de a sensação já ser de dever cumprido depois de tanto tempo “na lida”. Dessa maneira incansável comandei o leme de um sonho que tornou-se realidade sem que me desse conta do tempo passando. Desse jeito, do meu jeito, levei adiante um projeto que sequer foi planejado para alcançar a tal da “maioridade”.
Depois de dezoito anos diante do computador, sempre com olhar atento e esguelha desconfiada, não vi a vida passar. Mesmo assim, com ponta de decepção, um Brasil sempre vilipendiado passou diante dos meus olhos, diante do meu faro jornalístico, que em tempos não tão distantes alguns saudosos bambas do ofício afirmaram ser de “perdigueiro”. Se acertei não posso dizer, mas confesso que fiz o que estava ao meu alcance, talvez além disso, dei o meu melhor. E faria de novo, igual, mas de um jeito diferente a cada instante. Tudo em nome da crença que tenho no jornalismo. Faria como sempre faço e espero por muito tempo fazer.
Em 2001, ao dar o primeiro passo para o UCHO.INFO, sequer pensei que pudéssemos chegar até aqui. Não imaginei que perderia a própria identidade em nome de um ideal e adotaria a notícia como sobrenome. Não passou pela minha cabeça que brigar por um Brasil mais justo, digno e verdadeiro pudesse dar tanto trabalho. O que um dia foi elogio tornou-se açoite, os acertos de outrora transformaram-se em “torcida contra” nas bocas maledicentes, a defesa da democracia e da legalidade passou a ser desafiada pelo vale tudo.
Não importa o palco, não importam os atores do momento. Importa, sim, a disposição de seguir adiante, de manter o compromisso com os leitores, de continuar fazendo jornalismo à sombra da verdade, doa a quem doer. Importa, sim, porque 18 anos de UCHO.INFO não é pouca coisa, apesar de ainda termos muito a fazer pelo Brasil. Afinal, aqui nossas estranhas manias são ter fé na vida e rechaçar qualquer acordo com o Poder e os poderosos. Muito obrigado a cada um dos que permitiram esses 18 anos.
(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, escritor, poeta, palestrante e fotógrafo por devoção.