Lava-Jato: Moro interferiu em acordos de delação de ex-executivos da Camargo Corrêa, afirma jornal

Mensagens atribuídas a procuradores da força-tarefa da Operação Lava-Jato, em Curitiba, apontam que em 2015 o então juiz Sérgio Moro interferiu nas negociações das delações de dois executivos da empreiteira Camargo Corrêa. O que comprova as muitas afirmações do UCHO.INFO sobre a forma ilícita como muitas delações foram obtidas pelos investigadores e chanceladas pela Justiça.

Não se trata de defender os envolvidos em corrupção e outros crimes, mas de exigir o estrito cumprimento da legislação vigente, sem direito a qualquer transgressão, como forma de evitar que em algum momento os culpados sejam transformados em vítimas ou, então, alcancem a impunidade na esteira da irresponsabilidade das autoridades.

De acordo com o conteúdo das mensagens, obtidas pelo site The Intercept Brasil e publicadas em parceria com o jornal Folha de S.Paulo nesta quinta-feira (18), Moro teria alertado aos procuradores que só aceitaria homologar as delações caso propusessem sentença de pelo menos um ano de prisão em regime fechado para os executivos Dalton Avancini e Eduardo Leite, ambos da Camargo Corrêa.

Segundo a reportagem, Moro, atualmente à frente do Ministério da Justiça, desprezou os limites da atuação de um magistrado ao impor tais condições, enquanto os advogados dos réus ainda negociavam as delações com os procuradores. O jornal citou que a Lei das Organizações Criminosas, de 2013, determina que juízes devem manter distância das negociações e só podem verificar a legalidade dos acordos após sua assinatura.

As mensagens mostram que os integrantes da força-tarefa da Lava-Jato demonstraram incômodo com a interferência do magistrado e divergiram sobre a melhor forma de utilizar essas delações na respectiva ação penal

As mensagens vazadas revelam que, em 23 de fevereiro de 2015, o chefe da força-tarefa, Deltan Dallagnol, escreveu ao procurador Fernando dos Santos Lima, que conduzia as negociações com os executivos da empreiteira, sugerindo que ele consultasse Moro sobre as penas a serem impostas aos executivos.

“A título de sugestão, seria bom sondar Moro quanto aos patamares estabelecidos”, escreveu Dallagnol, que temia danos à Lava-Jato se a opinião pública considerasse excessivos os benefícios concedidos aos executivos.

Para Santos Lima, segundo a Folha, era fundamental que as delações fossem utilizadas para abrir novas frentes de investigação no futuro, o que, na sua opinião, justificaria a proposta de redução das penas dos delatores. “O procedimento de delação virou um caos” teria reclamado Santos Lima ao responder a Dallagnol.

O procurador afirmou que via isso como “barganha, onde se quer jogar para a plateia, dobrar demasiado o colaborador, submeter o advogado, sem realmente ir em frente”.

“Não sei fazer negociação como se fosse um turco”, escreveu Santos Lima, segundo a Folha. “Isso é até contrário à boa fé que entendo que um negociador deve ter. É bom lembrar que bons resultados para os advogados são importantes para que sejam trazidos novos colaboradores.”


“Vc quer fazer os acordos da Camargo mesmo com pena de que o Moro discorde?”, rebateu Dallagnol. “Acho perigoso pro relacionamento fazer sem ir FALAR com ele, o que não significa que seguiremos”, opinou. “Tem que falar com ele sob pena de ele dizer que ignoramos o que ele disse.” (na reportagem as mensagens são reproduzidas na íntegra, sem correção gramatical).

As mensagens mostram que dois dias depois ficou acertado que Dalton Avancini e Eduardo Leite, até então presos em caráter preventivo há quatro meses em Curitiba, ficariam em prisão domiciliar por mais um ano. Ou seja, o pedido de Moro foi atendido, segundo o jornal.

Em julho de 2015, Sérgio Moro condenou os dois executivos pelos crimes de corrupção ativa e lavagem de dinheiro, aplicando as penas acertadas previamente com os procuradores, como apontam as mensagens, em um caso envolvendo crime de corrupção na Petrobras.

O caso de Avancini e Leite foi o primeiro em que executivos de empreiteiras admitiram práticas de corrupção. Mais tarde, diretores das construtoras Odebrecht e Andrade Gutierrez também fizeram acordos de delação em troca de benefícios.

Essa relação espúria, que viola de forma flagrante e inconteste a lei, acabou sendo aceita pelos procuradores da Lava-Jato, que se acostumaram com as interferências do então juiz Sérgio Moro, equivocadamente transformado em herói nacional.

“Moro tem reclamado bastante, mas ao final sempre concorda com a nossa proposta”, escreveu meses depois o procurador Paulo Roberto Galvão, outro membro da força-tarefa em Curitiba, ao responder a um colega que perguntou sobre casos que contemplavam delações premiadas, destaca a Folha na reportagem.

Em outro caso, Moro pediu aos integrantes da força-tarefa para conhecer os termos do acordo de delação de Joao Ricardo Auler, outro executivo da Camargo Corrêa. Em uma troca de mensagens com Moro, o procurador Deltan Dallagnol consultou o então juiz para saber em que instância seria submetida a delação.

“Vejo vantagens pragmáticas de homologar por aqui, mas não quisemos avançar sem sua concordância”, disse o chefe da força-tarefa. Moro, por sua vez, respondeu que “para mim tanto faz aonde. Mas quais foram as condições e ganhos?”. “Vou checar e eu ou alguém informa”, respondeu Dallagnol, de acordo com o material obtido pelo The Intercept Brasil.

Dalton Avancini e Eduardo Leite foram condenados a 16 anos e 4 meses de prisão, mas com o acordo de delação a pena foi reduzida para um ano de prisão domiciliar em regime fechado e mais dois anos em regime semiaberto.

Em nota, Sérgio Moro negou ter participado das negociações sobre as delações premiadas e reafirmou que não reconhece a autenticidade do material obtido pelo site jornalístico The Intercept, assim como alega que “não há ilegalidade ou imoralidade” em suas decisões como juiz.

O agora ministro da Justiça acusa os órgãos de imprensa de agir de modo sensacionalista, mas ele deveria reconhecer que violou a lei, portanto, deve ser responsabilizado por seus atos. Em qualquer país minimamente sério e com autoridades competentes e imbuídas de coragem, Moro já teria sido demitido e a Lava-Jato seria anulada, a exemplo do que ocorreu com as operações Castelo de Areia e Satiagraha. Não é de hoje que o UCHO.INFO alerta para a necessidade de se respeitar a lei para não comprometer investigações.