Bolsonaro: a canalhice intelectual de um covarde e despreparado

(*) Ucho Haddad

Jair Messias Bolsonaro sempre foi um néscio no mundo da política, a ponto de precisar da lambança petista para conseguir chegar ao mais alto cargo da República. Do contrário, continuaria na condição de representante do chamado “baixo clero” do Parlamento. Mesmo assim, o agora presidente contou com o apoio e a aquiescência de uma parcela da sociedade, sempre insana e abduzida, que fornece combustível para manter a destilaria de sandices em que se transformou a sede do governo.

Não se pode ignorar que Jair Bolsonaro fez de sua carreira política uma catapulta de absurdos e polêmicas, sem a qual passaria despercebido da opinião pública. Quando um ser humano recorre a polêmicas para conseguir estar na vitrine da vida, é porque a gravidade do caso é muito maior do que se imagina e exige tratamento psiquiátrico com máxima urgência. O pior, para o infortúnio dos brasileiros de bem, é que Bolsonaro sequer tem competência para ser histriônico.

A mais recente corrida presidencial terminou em outubro de 2018, exatamente quando a última sessão eleitoral do País fechou as portas e lacrou as respectivas urnas, mas Bolsonaro continua sobre o palanque, sacando do embornal da estupidez um sem fim de frases e decisões que levam ao delírio parte dos que lhe confiaram o voto. Os desequilibrados que o adulam sem parar não se cansam de dizer que Bolsonaro foi eleito pela maioria da população, o que não é verdade. Sua eleição se deu na esteira da maioria dos votos válidos, o que é muito diferente do que afirmam os “bolsominions”.

Durante o processo eleitoral, insisti em afirmar que Jair Bolsonaro era, como ainda é, um despreparado perigoso e desprovido do estofo necessário para ocupar a Presidência da República. Não obstante, afirmei que em algum momento o agora chefe da nação daria um cavalo de pau na democracia, colocando a perder tudo o que foi conquistado ao longo de décadas, depois da truculenta ditadura militar.

Ignaro confesso em muitos assuntos – talvez em todos –, Bolsonaro continuará nessa toada absurda até o último dia do mandato, o qual poderá ser antecipado, pois sua incapacidade de entregar o que foi prometido na campanha o obriga a jogar cada vez mais para uma plateia obediente, que não enxerga a aproximação do caos. Numa espécie de abraço de afogados, os apoiadores de Bolsonaro recorrem de maneira permanente ao que chamo de “síndrome do retrovisor”, pois sempre usam a dependência em relação a Lula e ao PT para justificar o injustificável.

Essa estratégia de buscar no passado justificativas para o presente faz parte da cultura do ódio que Bolsonaro cultiva diuturnamente, já que só assim conseguirá manter o derrière na cadeira presidencial, para o desespero dos patriotas de fato. Quando os desvarios de um governante são comemorados como triunfo, chegar a um regime autoritário é questão de alguns poucos passos. Não falo daquela ditadura clássica que recheou dezenas de filmes sobre o tema, mas do totalitarismo moderno que sempre surge em cena travestido de democracia com pitadas de nacionalismo burro.

A patetice de Bolsonaro é tamanha, que seus destemperos verborrágicos carecem de babás de conteúdo, que, sempre de plantão, normalmente o obrigam a voltar atrás em muitas declarações ou a explicar suas estultices.

Em apenas 48 horas, o presidente revelou ao mundo, mais uma vez, a sua essência rasa e preconceituosa, como se ele representasse a solução derradeira para os muitos problemas que afetam o País e afligem os brasileiros a todo instante. Na realidade, Bolsonaro é a personificação do que há de pior em termos de ser humano e também de político. O fato de não ter se envolvido em escândalos de corrupção não o faz melhor. Aliás, quando um povo insiste na tese de que substituindo um ladrão por um imbecil é sinal de que a Canaã tropical está a se aproximar, é porque o fim já chegou sem avisar.

Rácio que se extrai da ignorância e da truculência comportamental, Bolsonaro depende do confronto ideológico para continuar existindo pessoal e politicamente. É difícil escolher um vértice para iniciar a desconstrução da fala torpe do presidente, mas começo pelo uso do termo “paraíba” para se referir aos nordestinos.

Durante encontro com jornalistas estrangeiros, durante café da manhã no Palácio do Planalto, Bolsonaro disse: “Daqueles governadores de ‘paraíba’, o pior é o do Maranhão. Não tem que ter nada para esse cara”. Tal declaração, criminosa desde a raiz, escancara o pensamento de Bolsonaro a respeito dos brasileiros, ofende de maneira inconteste os nordestinos e atropela a legislação que trata da unidade federativa.

Jair Bolsonaro é representante e refém de uma elite branca, sulista e bastarda, que despejou muito mais do que apoio declarado em sua campanha ao Palácio do Planalto, uma vez que nenhum candidato se elege à Presidência à sombra de alguns poucos milhões de reais declarados. Resta saber como os nordestinos, que viram nesse embuste político a tábua de salvação, reagirão a esse ataque sórdido e covarde.

Propulsado pela ignorância – talvez isso seja efeito colateral do excesso de leite condensado –, Bolsonaro disse aos jornalistas estrangeiros que ninguém passa fome no Brasil. “Falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira. Passa-se mal, não come bem. Aí eu concordo. Agora, passar fome, não. Você não vê gente mesmo pobre pelas ruas com físico esquelético como a gente vê em alguns outros países pelo mundo”, disse o presidente.

Ultrapassa as barreiras do inacreditável uma declaração como essa, principalmente por parte de um presidente da República, pois dados oficiais mostram exatamente o contrário. Divulgado em novembro passado pela Organização das Nações Unidas, o “Relatório do Panorama da Segurança Alimentar e Nutricional na América Latina e Caribe 2018” revelou que a desnutrição alcançou até 5,2 milhões de brasileiros entre 2015 e 2017.

Para completar o desmonte da fala insana do presidente, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em números relativos a 2017, mostram que 54,8 milhões de brasileiros estavam abaixo da linha da pobreza, dos quais 25,5 milhões (45%) no Nordeste.

A cruzada ideológica encabeçada por Bolsonaro é tão cabotina, que o presidente precisa recorrer a informações falsas para mantê-la em pé. Adorador de primeira hora de torturadores, Bolsonaro aproveitou a presença dos correspondentes estrangeiros para atacar a jornalista Miriam Leitão, há muito alçada à artilharia de um pensamento détraqué, como o do presidente.

“Ela estava indo para a guerrilha de Araguaia quando foi presa em Vitória. E depois [Miriam] conta um drama todo, mentiroso, que teria sido torturada, sofreu abuso e etc. Mentira. Mentira”, disse o presidente, que sequer conhece a história, mas arrisca posar de papagaio de aluguel e repetir o que ouviu da boca de torturadores e outros desqualificados personagens da ditadura.

Miriam Leitão, jornalista competente e premiada e dona de raciocínio jornalístico invejável, jamais participou de qualquer atividade guerrilheira durante a ditadura, assim como não inventou que foi torturada após ser presa no Espírito Santo, quando tinha 19 anos e estava grávida de três meses. Miriam foi torturada após ser presa, barbárie que consta dos autos do processo em que a jornalista foi inocentada de todas as acusações e nas mais distintas instâncias da Justiça, sem jamais ter pleiteado reparação ao Estado.

Pacóvio contumaz, Jair Bolsonaro não se cansa de vociferar parvoíces por onde passa. Ao criticar o filme “Bruna Surfistinha”, o presidente declarou que a Ancine não pode patrocinar produções pornográficas e que sem “filtro” – o que significa censura – a agência será extinta. Em suma, Bolsonaro começa a colocar as garras ditatoriais de fora. A prostituição, retratada no filme, é uma realidade no País e no mundo, mas o dinheiro público não pode patrocinar uma obra desse naipe. Por outro lado, o dinheiro público custeou o apartamento funcional da Câmara dos Deputados que Bolsonaro disse ter usado para “comer gente”.

Dando sequência a essa ópera bufa que tem Bolsonaro como maestro, o presidente criticou o dirigente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) por divulgar dados sobre desmatamento que prejudicam a imagem do Brasil no exterior. Dados preliminares de satélites do Inpe mostram que mais de 1.000 km² de floresta amazônica foram derrubados na primeira quinzena de julho, aumento de 68% em relação ao mesmo mês de 2018.

“É lógico que eu vou conversar com o presidente do Inpe. [São] Matérias repetidas que apenas ajudam a fazer com que o nome do Brasil seja malvisto lá fora”, declarou o presidente, que é refém dos ruralistas, os quais despejaram em sua campanha muito mais do que apoio. Em outras palavras, Bolsonaro quer transformar o “faz de conta” em cangalha oficial de um governo que sequer começou, mas volta e meia promove eventos para comemorar isso e aquilo.

Para concluir o bestiário presidencial é preciso mencionar a indicação de Eduardo Bolsonaro para o comando da embaixada brasileira em Washington. O filho do presidente da República tentou justificar o desvario do pai com detalhes do seu currículo, mas caiu em “bocas de Matilde” ao afirmar que no passado “fritou hambúrguer no frio do Maine”. Se isso for credencial para assumir uma embaixada, toda lanchonete da esquina deve ser considerada, a partir de agora, como filial do Instituto Rio Branco.

Depois de muita pressão e uma enxurrada de críticas, Bolsonaro admitiu que pretende beneficiar o filho. “Lógico que é filho meu. Pretendo beneficiar um filho meu, sim. Pretendo, está certo. Se puder dar um filé mignon ao meu filho, eu dou. Mas não tem nada a ver com filé mignon essa história aí. É aprofundar um relacionamento com um país que é a maior potência econômica e militar do mundo”, declarou o presidente durante transmissão ao vivo na internet.

Pai e filho precisam antes de tudo combinar o discurso, pois um fala em hambúrguer, ao passo que o outro externa o desejo de ofertar filé mignon ao rebento incapacitado e exibido. Na verdade, o que Bolsonaro deseja é transformar a embaixada brasileira na capital ianque em uma espécie de puxadinho da Casa Branca, faltando apenas entregar as chaves do imóvel para Donald Trump, a quem o mandatário brasileiro dedica nauseante subserviência. Unindo um assunto a outro, é melhor patrocinar filme pornográfico do que agir como messalina diplomática de Donald Trump.

Jair Bolsonaro foi eleito dentro das regras, mesmo que violadas por muitos, inclusive por ele, o que ensejaria a anulação do processo eleitoral, mas não há na legislação vigente previsão para impedimento de governante que faz do próprio palavrório uma colônia de sevandijas. Destarte, já que o impeachment não cabe no caso do atual presidente, pelo menos por enquanto, talvez seja a hora de pensar em interdição. Até porque, se o brasileiro está farto de corruptos, por certo quer distância de descontrolados com viés autoritário.

Disse Aristóteles: “Nunca existiu uma grande inteligência sem uma veia de loucura”. Contudo, com Jair Bolsonaro no foco, a tese aristotélica é nula ou o binômio em questão é manco. Resumindo, o destampatório do presidente é fruto de canalhice intelectual de um covarde e despreparado.

(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, escritor, poeta, palestrante e fotógrafo por devoção.

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