Refém dos caminhoneiros, governo Bolsonaro decide suspender tabela de preços mínimos de frete

A soberba de Jair Bolsonaro, o presidente da República, é tão descomunal, que apenas a própria incompetência é capaz de fazer páreo. A falta de humildade do chefe do Executivo chega a assombrar, uma vez que depois de quase sete meses de governo sem qualquer ação em prol do cidadão a arrogância e as esfarrapadas desculpas continuam sendo o motor que alimenta o Palácio do Planalto.

Após a ameaça dos caminhoneiros de deflagrarem paralisação semelhante à ocorrida em 2018, Bolsonaro justificou a decisão de suspender a nova tabela de frete rodoviário com a absurda desculpa de que o governo tem “capacidade de antecipar problemas”.

Na verdade, os caminhoneiros perceberam que têm o governo nas mãos e podem fazê-lo de refém a maior parte do tempo, sob pena de paralisar o País e empurrar pelo precipício uma economia cambaleante e sem energia para se recuperar, pelo menos por enquanto.

Na esteira do compromisso assumido perante os caminhoneiros, que recentemente ameaçaram paralisar as atividades, o governo colocou em vigor no último sábado (20) a nova tabela de preços mínimos de frete, mas acabou irritando a extensa maioria dos transportadores de carga.

Para um governo que volta e meia fala em liberalismo econômico, interferir no preço do frete é atentar contra o próprio discurso. A estratégia de tabelar o frete é fruto da pressão do agronegócio, que nos bastidores insiste em dar as cartas no escopo das decisões governamentais. O melhor exemplo dessa ingerência canhestra surgiu na proposta de reforma da Previdência, que, após pressão da bancada ruralista no Congresso, manteve os privilégios do setor.

O ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, afirmou nesta segunda-feira (22) que será suspensa a resolução da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) que estabeleceu regras para o cálculo do preço mínimo do frete rodoviário. De acordo com Freitas, uma nova rodada de negociação com os caminhoneiros será realizada, possivelmente na próxima quarta-feira (24).

A nova tabela para cálculo do frete mínimo foi criada em conjunto com o Grupo de Pesquisa e Extensão em Logística Agroindustrial, ligado à Universidade de São Paulo (USP), e foi mal recebida pelos caminhoneiros.


Em nota, o Ministério da Infraestrutura informou que solicitou formalmente à ANTT a suspensão do novo piso mínimo de frete. A pasta ressaltou que a votação sobre a suspensão cautelar da resolução acontecerá em reunião extraordinária da agência, marcada para as 18 horas deste segunda-feira.

“O diálogo segue sendo o principal mecanismo com o qual vamos buscar o consenso no setor de transportes de cargas. Por isso a importância em dar continuidade às reuniões. Estamos desde o início do ano com as portas abertas no ministério e esta tem sido a melhor forma de dar transparências às decisões que estão sendo tomadas em conjunto”, explicou o ministro Tarcísio Freitas.

Caminhoneiros

Os caminhoneiros reclamam que a nova fórmula de cálculo do frete não considera a remuneração dos transportadores autônomos. Um dos líderes do movimento de greve de 2018, Wanderlei Alvez, o “Dedeco”, explicou que a resolução da ANTT não contempla a remuneração do caminhoneiro e só considera os custos para o cálculo do valor mínimo do frete.

“Não existe remuneração. Existe um campo para colocar qual o lucro o caminhoneiro quer receber, mas o embarcador não vai pagar porque não é obrigatório”, afirmou Dedeco.

De acordo com Alvez, os caminhoneiros se acalmaram com a notícia da revogação da resolução da agência e esperam resolver a questão durante reunião com o ministro Tarcísio Freitas.

Contra a lógica

O governo sabe que é impossível tabelar o frete impondo aos caminhoneiros valores vis, ao mesmo tempo que é absurdo exigir que empresas paguem preços estabelecidos pelo governo, com direito a multa em caso de descumprimento da tabela.

No liberalismo econômico, o Estado deve manter distância das questões de mercado, deixando que seus atores se entendam à sombra do binômio “oferta e demanda”. Enquanto o governo Bolsonaro insistir em interferir em questões privadas, a economia permanecerá na vala da desconfiança dos investidores.