Porta-voz entra em cena para explicar declaração estapafúrdia de Bolsonaro sobre jornalista do Intercept

Chega a ser vexatório o esforço que integrantes da cúpula do governo fazem na tentativa de minimizar o estrago produzido pelas declarações estapafúrdias do presidente Jair Bolsonaro, que de maneira recorrente é obrigado a recuar ou a aceitar ser desmentido por algum assessor mais próximo.

Na manhã desta segunda-feira (29), quando deixava o Palácio da Alvorada, em Brasília, Bolsonaro desceu do carro para conversar com jornalistas. Uma atitude estranha para quem até recentemente demonizava insistentemente a imprensa.

O presidente da República, em mais um dos seus conhecidos devaneios discursivos, afirmou, sem apresentar provas, que o vazamento dos diálogos entre o então juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, entre tantos outros, teve “transações pecuniárias”. Considerando que o ônus da prova cabe a quem acusa, Bolsonaro tem o dever de provar o que disse ou deve aceitar a pecha de mitômano, o que não mais assusta o brasileiro.

Afirmar que o jornalista Glenn Greenwald, fundador do site The Intercept Brasil, pode ter pagado alguma quantia aos hackers para obter o conteúdo dos diálogos que têm sido divulgados é no mínimo ato de leviandade. Se Bolsonaro não tem prova do que afirma, deve ser processado de acordo com a legislação vigente, pois trata-se de crime de calúnia e difamação.

Não obstante, o presidente da República atropela a Constituição ao afirmar que Greenwald cometeu crime e poderá “pegar uma cana” aqui no Brasil. Que o linguajar de Bolsonaro é tosco e rasteiro todos sabem, mas querer levar à prisão alguém que não cometeu crime é o primeiro passo de um regime de exceção que se avizinha de maneira perigosa.


A Constituição Federal estabelece em seu artigo 5º, inciso XIV, que “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”. De tal modo, a declaração de Bolsonaro de que o jornalista deve ser condenado à prisão é uma aberração jurídica sem precedente, que não encontra respaldo no Estado de Direito.

A invasão de privacidade (inclua-se a de celulares e telefones) é crime, mas é excesso de vitimização afirmar que a ação dos hackers tinha como objetivo denegrir a imagem de um governo que ainda não mostrou a que veio – talvez não consiga em tempo algum. “Pelo que tudo indica a intenção é sempre atingir a Lava Jato, atingir o [ministro] Sergio Moro, a minha pessoa, tentar e desqualificar e desgastar”, disse Bolsonaro.

Para tentar reduzir os estragos produzidos pela declaração, o porta-voz da Presidência, general Otávio Rêgo Barros, disse, na noite desta segunda-feira (29), que Bolsonaro baseou-se em uma percepção pessoal ao insinuar que o fundador do The Intercept Brasil cometeu crime ao divulgar conversas vazadas do ministro da Justiça, Sérgio Moro.

“O presidente não colocou em xeque em momento nenhum a necessidade de liberdade de imprensa com a qual ele se associa in totum”, disse o porta-voz, que emendou: “A percepção pessoal do presidente é essa que eu acabei de anunciar. Como eu disse, é a percepção pessoal do senhor presidente”.

Bolsonaro pode ter opinião pessoal sobre o assunto que desejar, mas precisa ser alertado, com máxima urgência, que seus destampatórios provocam estragos e deixam o governo em má situação. Além disso, um presidente da República que é desautorizado por subalternos de maneira insistente deveria admitir que não sabe o que fala, pelo menos justificaria a ação diuturna de suas babás de discurso.