Decisão do STF suspendendo apreensão de livros preservou a democracia e barrou o retorno da censura

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, cassou, no domingo (8), a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que autorizou a Prefeitura da capital fluminense a apreender livros e HQs com temática LGBT na Bienal do Livro.

A decisão de Toffoli ocorre após pedido da procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Ela argumentou que a suspensão da decisão do TJ-RJ era necessária para “impedir a censura ao livre trânsito de ideias, à livre manifestação artística e à liberdade de expressão no país”.

No texto em que atendeu ao pedido de Dodge, o presidente do STF ressaltou que o “regime democrático pressupõe um ambiente de livre trânsito de ideias” e que a decisão do TJ-RJ “viola a ordem jurídica, e, no mesmo passo, a ordem pública”.

Toffoli afirmou em sua decisão que o TJ-RJ errou ao ter aceitado a argumentação da Prefeitura carioca, que alegou configurar violação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) a exibição de obras com temática LGBT sem lacre e classificação indicativa.

De acordo com o ministro Dias Toffoli, o TJ-RJ, ao entender “que o conteúdo homoafetivo em publicações infanto-juvenis exigiria a prévia indicação de seu teor, findou por assimilar as relações homoafetivas a conteúdo impróprio ou inadequado à infância e juventude”.

O presidente do STF destacou que a decisão do TJ fluminense feriu “a estrita legalidade e o princípio da igualdade” e “sob pretensa proteção da criança e do adolescente, se pôs na armadilha sutil da distinção entre proteção e preconceito.”


“O regime democrático pressupõe um ambiente de livre trânsito de ideias, no qual todos tenham direito a voz. De fato, a democracia somente se firma e progride em um ambiente em que diferentes convicções e visões de mundo possam ser expostas, defendidas e confrontadas umas com as outras, em um debate rico, plural e resolutivo”, completou o ministro.

Após o anúncio da decisão de Toffoli, a Prefeitura do Rio informou que pretende recorrer. Em nota, a administração municipal alegou que a decisão do ministro “não examina o fundamento da medida tomada pelo município do Rio de Janeiro ao fiscalizar a Bienal do Livro: a defesa de crianças e adolescentes, com base no Estatuto da Criança e do Adolescente”.

Na sequência foi a vez de o ministro Gilmar Mendes também determinar que a gestão do prefeito Marcelo Crivella se abstenha de apreender livros com temática LGBT na Bienal e de cassar o alvará da feira. A decisão de Mendes, neste caso, atendeu a um pedido dos próprios organizadores da Bienal do Livro.

Com o mesmo tom de Toffoli, Mendes escreveu que a atitude da Prefeitura do Rio foi um “verdadeiro ato de censura prévia, com o nítido objetivo de promover a patrulha do conteúdo de publicação artística”.

O ministro ainda apontou que a decisão do TJ-RJ, “além de violar diretamente a proibição constitucional a qualquer tipo de censura prévia (…) também contraria frontalmente a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal ao veicular uma interpretação das normas do ECA calcada em uma patente discriminação de gênero”.

É preciso diferenciar conservadorismo e populismo barato de olho nas eleições municipais do próximo ano. Com avaliação popular muito aquém do desejado, Marcelo Crivella precisa buscar no eleitorado cativo os votos que eventualmente garantam sua reeleição, algo difícil de acontecer. Assim como faz o presidente da República, Jair Bolsonaro, o prefeito carioca recorre ao discurso de encomenda para agradar seus apoiadores. (Com Deutsche Welle)