Se os problemas que chacoalham o Brasil são muitos, por isso assustam, a disparidade social é aterrorizante, em especial porque o salário mínimo é insuficiente para garantir a sobrevivência. Enquanto o piso salarial vigente no País vale míseros R$ 988, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) fixou, em agosto deste ano, o valor de R$ 4.044 como sendo o mínimo ideal para garantir a sobrevivência de uma família. Esse cenário desanimador precisa ser revertido com urgência, pois é impossível viver à base do “faz de conta”.
Enquanto metade dos trabalhadores brasileiros receberam mensalmente, em 2017, menos de um salário mínimo (dados do IBGE), um membro do Ministério Público de Minas Gerais (MP-MG) reclama dos R$ 24 mil que caem todo mês na sua conta bancária a título de remuneração.
Insatisfeito, Leonardo Azeredo dos Santos, procurador do MP mineiro, reclamou, durante reunião da câmara de procuradores, do salário que classifica como “miserê”. E Azeredo não ficou só na reclamação, já que outros procuradores aproveitaram o encontro para externar indignação com o salário que um trabalhador comum demoraria dois anos para embolsar.
“Quero saber se nós, no ano que vem, vamos continuar nessa situação ou se vossa excelência já planeja alguma coisa, dentro da sua criatividade, para melhorar nossa situação. Ou se vamos ficar nesse miserê”, disse Leonardo dos Santos durante reunião em que se discutiu o orçamento do MP de Minas Gerais para 2020.
“Estou fazendo a minha parte. Estou deixando de gastar R$ 20 mil de cartão de crédito e estou passando a gastar R$ 8 (mil), para poder viver com os meus R$ 24 mil. Agora, eu e vários outros, já estamos vivendo à base de comprimidos, à base de antidepressivo. Estou falando desse jeito aqui com dois comprimidos sertralina por dia, tomo dois ansiolíticos por dia e ainda estou falando desse jeito. Imagine se eu não tomasse? Ia ser pior que o Ronaldinho. Vamos ficar desse jeito? Nós vamos baixar mais a crista? Nós vamos virar pedinte, quase?”, indagou o abusado procurador.
Alegando que, “infelizmente”, não vem de família humilde, o procurador disse no encontro que não está acostumado a viver “com tanta limitação”. Ou seja, Leonardo Azeredo dos Santos debochou das dezenas de milhões de brasileiros que lutam diuturnamente, de sol a sol, para sobreviver, sem ter a devida assistência por parte do Estado.
Se para conseguir sobreviver com R$ 24 mil mensais é preciso recorrer a ansiolíticos e antidepressivos, que o promotor explique com a máxima urgência o que devem fazer os brasileiros que recebem salário mínimo e, mesmo assim, custeiam os servidores públicos, inclusive os membros do MP mineiro.
De igual modo, se um servidor público que embolsa R$ 24 mil a cada trinta dias está a ponto de transformar-se em “quase pedinte”, é preciso que alguém decifre a situação em que se encontra a extensa maioria da população brasileira.
Considerando que o procurador está revoltado por não conseguir gastar R$ 20 mil no cartão de crédito, que peça exoneração e procure vaga de trabalho na iniciativa privada, se é que sua petulância não será um entrave nessa busca.
Leonardo dos Santos que volte a procurar ajuda médica com o objetivo de aumentar a dose de ansiolíticos e antidepressivos, já que o Ministério Público de Minas Gerais descarta, por enquanto, quaisquer benefícios a procuradores e promotores. Afinal, o governo mineiro enfrenta grave crise financeira, o que vem exigindo corte de despesas, inclusive com pessoal.
No caso de Minas Gerais assinar acordo de recuperação fiscal com o governo federal, assim como fez o Rio de Janeiro, os servidores públicos mineiros, sem exceção, terão de se acostumar com a ideia de ficar sem reajuste salarial.
Como diz o jornalista José Simão (Folha de S.Paulo e BandNews FM), o Brasil é o “país da piada pronta”. Quando nos deparamos com absurdos como o que é objeto dessa matéria jornalística, não é preciso muito tempo para perceber que o picadeiro verde-louro está ficando pequeno para tantos palhaços.