Coincidências acontecem

(*) Carlos Brickmann

Bolsonaro já quis afastar o delegado Maurício Valeixo, diretor-geral da Polícia Federal, mas aceitou os argumentos de Sergio Moro e desistiu. Ou não: talvez apenas espere ocasião mais adequada para se livrar de Valeixo e, por que não? do próprio Moro, que insiste em manter-se mais popular do que ele (e, portanto, se transforma num candidato alternativo à Presidência).

Pois é: Valeixo reassumiu o cargo e, em seguida, a Polícia Federal invadiu o gabinete do líder do Governo no Senado, Fernando Bezerra, acusando-o de ter recebido propinas. Claro, não foi uma retaliação às posições anteriores de Bolsonaro, de trocar o comando da PF. Foi uma operação estritamente técnica, sem nenhum viés político, sem intenção de atingir o presidente.

Pois é: Bolsonaro, que demitiu o coordenador de sua campanha, Gustavo Bebbiano, por considerá-lo traidor, cujo grupo político é integrado por pessoas convencidas de que Delfim Netto e Fernando Henrique são comunistas, que acha que Weintraub é um bom ministro da Educação, justo ele vai acreditar que não houve qualquer retaliação da Polícia Federal ao invadir o gabinete de seu líder no Senado. Se houve ou não retaliação, este colunista não sabe; este colunista também não põe a mão no fogo por Bezerra ou demais parlamentares, isso por detestar o apelido de Capitão Gancho. Mas Bolsonaro não terá a menor dúvida, seja isso ou não verdade.

De agora em diante, o duelo só para quando os punhais gotejarem sangue.

Do passado ao futuro

Certo, no Brasil até o passado é imprevisível, quanto mais o futuro. Mas o presidente Bolsonaro permite certas ilações. Deve ter certeza de que a PF está fora do controle de Moro (e, portanto, Moro não serve para ser ministro) ou está sob o controle de Moro, e ele o usa para prejudicar a base política do Governo (e, portanto, não serve para ser ministro).

Vai demitir Moro, então? Sim, desde que tenha certeza de que sua arma não é um bumerangue. Nada fará que contribua para ampliar a popularidade de Moro, mas se puder evitar que o ministro vire vítima, não hesitará em apertar o gatilho. Teremos, pois, tempos interessantes em Brasília. A campanha de 2022 já começou.

Previsão – ou não

O pessoal da Federal que invadiu o escritório de Fernando Bezerra é fiel ao diretor-geral Maurício Valeixo, mantido no cargo por Moro. É um pessoal da Lava Jato, cujo grande símbolo nacional é Sergio Moro. É gente de Moro, portanto, fustigando Bolsonaro. A partir daí, Bolsonaro pode transformar a vida de Moro, no Ministério, num inferno. Mas é Brasil: pode não fazer nada.

Velhos tempos

Bolsonaro tem boa memória. Certamente se lembrará de que, pouco antes da votação da reforma da Previdência, com boa chance de aprovação, Temer caiu na armadilha de procuradores e dos irmãos Batista. Há quem acredite que a forte resistência de fortes grupos à reforma da Previdência nada teve a ver com isso. Por que teria? Pode tudo ter sido pura coincidência.

Coincidências acontecem

No próprio Governo Bolsonaro já se cria uma tradição: toda vez que há indícios de melhora da situação econômica, o próprio Governo faz enorme esforço para gerar uma crise política que anule os bons sinais econômicos. E estamos numa fase dessas: por incrível que pareça (já que o desemprego é imenso e o fato econômico mais visível não é a chegada de investimentos estrangeiros, mas a transferência de empreendimentos brasileiros para outros países), há vagalumes de boa luz amenizando a escuridão reinante.

A taxa de juros Selic, pela qual o Governo paga seus empréstimos, caiu para 5,5%, o menor valor na história – houve até bancos que, por isso, baixaram as taxas que cobram de seus clientes de estratosféricas para apenas inacreditáveis. A inflação se mantém baixa, o que permite imaginar novas quedas de juros. A expectativa é de que o Brasil feche o ano com taxa Selic de 5% ao ano.

Não há hora melhor para surgir uma nova crise artificial, que ponha esses bons resultados a perder.

E a festa continua

A Farra da Mexerica, iniciada com o financiamento público de campanha, pelo qual você, contribuinte, financia a batalha eleitoral de políticos que preferiria ver na cadeia, e não em postos eletivos, continua a pleno vapor. A Câmara dos Deputados aprovou projeto permitindo praticamente tudo: o tal dinheiro público, que deveria financiar propaganda, agora servirá para tudo, o que inclui a compra de jatinhos e de mansões. Isso só não acontecerá caso o presidente Bolsonaro vete toda a lei.

Mas, mesmo vetando, continua em vigor a lei atual. Por ela, informa o portal O Antagonista, o senador Angelo Coronel (PSD-Bahia), usou agora em setembro R$ 14.890,00 só para abastecer seu jatinho. E o senador Ciro Nogueira, presidente nacional do PP, pagou refeições para 16 pessoas, com nosso dinheiro, num restaurante em Parnaíba, litoral do Piauí. Se é assim antes da lei, imaginemos depois dela!

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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