Palavras ao vento

(*) Carlos Brickmann

Não é verdade que as palavras de Bolsonaro na ONU tenham formado um discurso com o qual ou sem o qual o mundo seria tal e qual. O mundo o entendeu: quem desconfiava da sua capacidade retórica hoje tem certeza.

O presidente tinha bons argumentos. Aquela queimada que, temia-se, iria incendiar o mundo, em pouco tempo foi contida; nosso Governo, apesar de oficialmente não dar muita importância ao tema, agiu com eficiência. O fogo não era parte da política do Governo: era uma combinação de seca, crimes ambientais, ação ilegal de madeireiros e garimpeiros. O presidente francês ultrapassou a linha dos bons modos (não tão grosseiro quanto Bolsonaro, mas antes dele), tentando ditar normas sobre a Amazônia brasileira sem ouvir o Brasil. Se o alvo não fosse Bolsonaro, a esquerda falaria em colonialismo.

A economia do Brasil não se recuperou, mas há bons projetos de atração de investimentos, a inflação se mantém baixa, os juros oficiais estão na menor taxa da história, o acordo com a União Europeia foi firmado após 20 anos de negociação, reduziu-se o número de mortos pela violência urbana.

OK? Não. O discurso de Bolsonaro foi raso, misturando assuntos, criticando Lula, Venezuela, Cuba – e o Brasil é maior do que isso. No fundo, a mesma confusão que oferece aos adversários das exportações brasileiras e aos interessados nas riquezas da Amazônia os argumentos que usam contra nós.

O discurso foi elaborado por quatro pessoas. Faltou quem o escrevesse.

Os autores

Quem preparou o discurso de Bolsonaro, segundo a revista Época, foram o general Augusto Heleno, ex-comandante militar da Amazônia, o chanceler Ernesto Araújo, o candidato a embaixador Eduardo Bolsonaro e o assessor internacional Filipe Martins – três deles ligados a Olavo de Carvalho e um, o general Augusto Heleno, que abertamente o ignora. Ao presidente caberia a empolgação do discurso, para que na ONU o vissem como Mito.

E viram: o mito, afinal de contas, é algo que não existe, em geral fruto da imaginação.

Coisas antigas

Nada contra os mitos e os frutos da imaginação. Em Júlio César, fruto da imaginação de William Shakespeare, há um discurso (o de Marco Antônio à beira do túmulo de César), excepcionalmente brilhante, que poderia ser dito hoje mudando apenas o nome dos mitos. Não há qualquer certeza histórica de que D. Pedro I tenha gritado “Independência ou Morte” no 7 de setembro, mas a frase, embora provavelmente um mito, sobrevive. E, trazendo os fatos para dias recentes – quase os dias de hoje – De Gaulle nunca disse que o Brasil não era um país sério. Mas a frase ficou. Um mito de longa duração.

…cada vez aumenta mais

Comentaristas estrangeiros fizeram pesadas restrições ao discurso. Mas houve quem gostasse: o ministro da Justiça, Sergio Moro, por exemplo. E o vice-presidente Hamilton Mourão. E o chanceler Ernesto Araújo, no Twitter: compartilhou o discurso e fez um comentário que comprova ter participado de sua redação. “A verdade da soberania é a soberania da verdade”.

A boa solução

E pensar que o Brasil já teve ótimos autores de discursos presidenciais! Os discursos de Getúlio eram escritos por Lourival Fontes. E é de Maciel Filho, provavelmente, o “saio da vida para entrar na História”. Juscelino tinha Augusto Frederico Schmidt. Não basta a um discurso trazer bons argumentos: é preciso que estes argumentos convençam a plateia. E não foi o efeito obtido pelo discurso de Bolsonaro. Só converteu os já convertidos.

A ONU de sempre

A ONU é gigantesca, caríssima, tem orçamento que lhe permite contratar quem quiser, autossuficiente a ponto de entregar Direitos Humanos a ditaduras e a ignorar críticas. E não sabe quem é o presidente do Brasil, um dos países que a fundaram e que abre a Assembleia Geral. Clique https://www.un.org/en/ga/info/meetings/73schedule.shtml, 25 de setembro: “Tuesday, 25 September, 9:00 a.m. to 2:45 p.m. General Assembly Hall.”

Lá está o nome do presidente do Brasil, para eles: “Michel Temer”.

Cai fora!

O Governo do Rio de Janeiro decidiu tomar providências para evitar que se repitam fatos como o assassínio da menina Agatha Felix, de 8 anos, vítima de tiroteio. E quais são as providências?

É verdade, verdade verdadeira: estão preparando uma cartilha para que os moradores de favelas saibam como agir durante operações policiais. A cartilha deve ser lançada ainda neste ano. E, logo após o lançamento, o governador Wilson Witzel promete “intensificar o confronto com criminosos”. A cartilha, no fundo, poderia se resumir a um só conselho: “Cai fora!” Evitará aquela inevitável batalha sobre concorrência e preços. E provavelmente será a mais eficiente providência do Governo. Pois só neste ano, outras quatro crianças, além de Agatha, foram mortas por tiros em áreas de confronto. E em nenhum caso o atirador foi identificado.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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