Não é novidade para qualquer brasileiro de bom senso que o presidente da República, Jair Bolsonaro, é refém de polêmicas, todas criadas de maneira sequencial para garantir a manutenção de um discurso de ódio e da cizânia da sociedade. Porém, quem conhece os meandros da política sabe que essa estratégia quase suicida tem limites, não importando o “tempo de estrada” do protagonista.
Decidido a tomar o comando do PSL, de olho nos fundos partidário e eleitoral, Bolsonaro não contava com reveses, como o que levou a bancada da legenda na Câmara dos Deputados a uma crise que não apenas rachou o partido ao meio, mas patrocinou uma queda de braços em torno da liderança do partido na Casa legislativa.
Enquanto operava nos bastidores para derrubar o líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO), o presidente da República apostou na desídia de parlamentares do próprio partido diante de uma investida que atenta contra a democracia. Esse comportamento irresponsável de Bolsonaro explica o fato de ter passado 28 anos, enquanto deputado federal, no chamado “baixo clero”.
Diz a sabedoria popular que “quem não tem competência, não se estabelece”. Bolsonaro já se mostrou incompetente, mas propulsado pelo pensamento totalitarista continua acreditando que pode tudo contra todos, fórmula que na política costuma terminar em tragédia.
Depois da fracassada tentativa de destronar o deputado Delegado Waldir da liderança do PSL, o presidente foi presenteado com um áudio, vazado nas últimas horas, em que é chamado de “vagabundo”. A declaração é do próprio líder partidário, que foi gravado durante reunião interna da ala fiel a Luciano Bivar, presidente nacional do PSL.
No áudio, um descontrolado Waldir afirma estar disposto a “implodir” o presidente da República. “Eu vou implodir o presidente. Aí eu mostro a gravação dele. Não tem conversa. Eu implodo ele. Eu sou o cara mais fiel. Acabou, cara. Eu sou o cara mais fiel a esse vagabundo. Eu andei no sol em mais de 246 cidades para defender o nome desse vagabundo”, esbravejou o líder do PSL na Câmara.
Na sequência, a mesma gravação traz a fala de alguém que pede moderação ao deputado Delegado Waldir. “Cuidado com isso, Waldir”, diz alguém não identificado e que participava do encontro do bloco não bolsonarista do PSL.
Ao menos dois deputados federais do PSL afirmaram ter sido pressionados pelo presidente da República, em reunião no Palácio do Planalto, a aderir à lista de apoio ao nome de Eduardo Bolsonaro para assumir a liderança da legenda. O que mostra que a indicação do parlamentar para a Embaixada do Brasil em Washington já não tem tanta importância para o governo.
“Os meninos chegaram lá e o presidente disse: ‘Assina, senão é meu inimigo’”, disse uma das participantes da reunião com Bolsonaro. “Eu não consegui não assinar”, responde o deputado Luiz Lima (PSL-RJ). O deputado Loester Trutis (PSL-MS) afirmou que foi pressionado pelo presidente da República.
Com 53 deputados federais, a bancada do PSL na Câmara literalmente rachou ao meio, ficando 26 parlamentares de cada lado, sendo que a disputa se deu por um nome para que a estratégia palaciana não fracassasse. Apesar da disputa, a Secretaria-Geral da Câmara dos Deputados não aceitou algumas assinaturas constantes na lista a favor da indicação de Eduardo Bolsonaro como líder do PSL, garantindo ao Delegado Waldir a permanência no posto.
A questão que se põe é uma só e tem respaldo na legislação vigente. Os que apostaram contra o líder do PSL na Câmara podem, na pior das hipóteses, acabar expulsos da legenda. Essa possibilidade aumenta sobremaneira porque o grupo que defendeu a permanência do atual líder é ligada a Luciano Bivar, presidente nacional da sigla. E a decisão de expulsar um membro do partido caba à Executiva Nacional da legenda.
Considerando que Bivar foi transformado em alvo preferencial de Bolsonaro, é prematuro afirmar que o imbróglio está resolvido. Aliás, o próprio Delegado Waldir afirma na gravação que expulsará os traidores: “Nós vamos expulsar, e aqueles que fizerem nós vamos expulsar um por um do partido, ok? A situação é essa. Nós vamos expulsar um por um do partido”.
Diante do impasse criado, a Bolsonaro cabe se aconselhar com o senador alagoano Fernando Collor de Mello sobre como não proceder, enquanto presidente da República, na relação com o Congresso. Afinal, Collor, assim como o atual presidente, acreditava que era todo-poderoso. Essa crença acabou quando foi despejado do Palácio do Planalto, no rastro de um rumoroso e conturbado processo de impeachment.