Que Jair Bolsonaro não escreve sentado o que diz em pé – e vice-versa – o mundo já sabe, mas um governante que se preza, mesmo que movido pela sandice ideológica, deve manter doses rasas de coerência, em especial nas declarações.
Não é de hoje que o brasileiro interessado por política descobriu que Bolsonaro rejeita com todas as forças a ideologia esquerdista e é adversário figadal de seus representantes, até mesmo dos de baixa patente. Tanto é assim, que o presidente brasileiro já exaltou, em diversas ocasiões, a memória de ditadores facinorosos e torturadores que combateram a esquerda.
Apesar da sua conhecida ojeriza em relação à esquerda, Jair Bolsonaro, em 1999, teceu rasgados elogios ao bolivariano Hugo Chávez, a quem chamou de “esperança para a América Latina”. Na entrevista que à época concedeu ao jornal “O Estado de S. Paulo”, o agora presidente da República afirmou não ser “anticomunista”.
Durante a campanha presidencial, Bolsonaro ameaçou retirar o Brasil do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), classificado pelo então presidenciável de “local de reunião de comunistas”.
Horas após ser eleito presidente, em 28 de outubro de 2018, Bolsonaro disse, em entrevista, que o Brasil não poderia “ficar flertando com o socialismo, com o comunismo e com o extremismo da esquerda”. Ou seja, o que o então presidente eleito disse 19 anos antes deixou de valer. Esse pensamento contra a esquerda se materializou com a decisão de não renovar com o governo de Havana a parceria para o programa “Mais Médicos”.
O tempo passou e muitas declarações absurdas foram vociferadas por Bolsonaro, que em agosto passado, durante evento no Piauí, disse: “Vamos acabar com o cocô no Brasil: comunistas e corruptos”. No mês seguinte, em setembro, em evento na capital federal, o presidente não poupou palavras para criticar o socialismo. “Socialismo esse que não deu certo em lugar nenhum do mundo, e nós devemos nos afastar deles!”, disse Bolsonaro durante o lançamento da carteira digital de estudante.
Considerando que o presidente brasileiro ataca de forma recorrente o socialismo, imaginar o que ele pensa acerca do comunismo não exige esforço do raciocínio. Mesmo assim, Bolsonaro, ao desembarcar nesta quinta-feira (23) em Pequim, disse aos jornalistas que estava em um país capitalista.
Ignaro confesso em vários assuntos, Jair Bolsonaro tem sérias dificuldades para lidar com temas marcados pela obviedade. Não resta uma dúvida sequer que a China é um país comunista que usa o modelo capitalista para manter a ideologia e o regime intactos.