Reação colérica de Bolsonaro à reportagem do Jornal Nacional foi desnecessária e descabida

O imbróglio que se formou a partir da reportagem do Jornal Nacional, da TV Globo, sobre a menção ao nome de Jair Bolsonaro no âmbito do caso do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, em março de 2018, tomou proporções absurdas, algo que só foi possível porque o presidente da República reagiu de forma inadequada. Não se trata de defendera emissora de televisão e exigir que o presidente trate assuntos como esse de forma tranquila, mas é preciso parcimônia diante dos fatos.

A maneira como Bolsonaro se comportou no vídeo transmitido pela internet, na madrugada desta quarta-feira (30) – horário saudita – despejou mais suspeitas sobre um assunto que poderia ter sido encerrado com as provas de que o presidente da República, que à época do crime cumpria mandato parlamentar, estava na Câmara dos Deputados, em Brasília.

As declarações de Jair Bolsonaro contra a TV Globo não combinam com liturgia do cargo de presidente da República, além de representarem uma ameaça não apenas à emissora carioca, mas também e principalmente à democracia e ao Estado de Direito.

Os termos “canalhice” e “patife” foram usados de maneira açodada, pois a emissora de televisão não afirmou que existe um vínculo entre o presidente e o crime que vitimou Marielle Franco e seu então motorista, mas somente noticiou que seu nome apareceu no inquérito a partir do depoimento do porteiro do condomínio localizado na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio de Janeiro.

Se Bolsonaro considerou a reportagem do JN uma acusação infundada, mesmo que o telejornal tendo mencionado que ele estava na capital federal no momento dos fatos, é preciso que o pensamento seja flexível o suficiente para que a notícia seja vista como um alerta.


Ao JN coube noticiar um fato que faz parte do inquérito sobre o assassinato da vereadora do PSOL, sendo que o presidente deveria ter tomado as devidas providências a partir do momento em que foi informado da menção ao seu nome. Essa informação foi repassada ao presidente da República pelo governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), em 9 de outubro passado.

Se Bolsonaro sabia do caso há pelo menos três semanas e não tomou providências, é porque considerou-o sem importância. Mesmo assim, ao profissional de imprensa cabe o dever de informar a sociedade sobre o que acontece na seara política.

É importante salientar que o JN não feriu a ética do jornalismo nem transgrediu a lei ao revelar dados de um processo que está sob segredo de justiça. Na verdade, quem transgrediu a lei foi o responsável pelo vazamento, que, na opinião de Bolsonaro, foi o governador fluminense. Witzel, por sua vez, afirmou que não vazou dado algum e disse que as acusações do presidente são “levianas”. Além disso, o governador do Rio disse que Bolsonaro talvez não esteja em seu “estado normal”.

A reação de Jair Bolsonaro surpreendeu até mesmo quem está acostumado a lidar com situações de crise. A miscelânea feita pelo presidente da República, que mesclou casos desconexos ao rebater a reportagem do JN, mostrou que Bolsonaro está fora de controle e cada vez mais preocupado com escândalos envolvendo a família.

Em dado momento do vídeo transmitido pela internet, Bolsonaro afirmou que a TV Globo quer prender o seu filho – no caso Flávio Bolsonaro –, mas em nenhum momento a reportagem do JN fez menção ao senador do PSL do Rio de Janeiro.

Outro assunto que recheou o discurso colérico do presidente foi o caso envolvendo Adélio Bispo, responsável pelo ataque a faca ao então presidenciável do PSL, em 6 de setembro de 2018, na cidade mineira de Juiz de Fora. Bolsonaro voltou questionar a atuação dos advogados de Adélio, como se a Constituição não garantisse a todo cidadão o direito à ampla defesa e o devido processo legal. Ora, se o presidente da República e o filho Flávio recorrem aos serviços de um advogado aparentemente experiente, Adélio Bispo tem o mesmo direito.