Regimes repressivos, governantes autoritários e influenciadores políticos sem escrúpulos fizeram com que a liberdade na internet caísse pelo nono ano consecutivo, “expondo cidadãos a uma repressão sem precedentes”, aponta o relatório “Liberdade na Rede 2019: A Crise das Redes Sociais”, divulgado nesta terça-feira (5) pela ONG Freedom House.
Um dos países que mais caiu no ranking foi o Brasil. Com 64 pontos, segue na lista dos “parcialmente livres” (40 a 69 pontos). São considerados países “livres” os que têm de 70 a 100 pontos, e “não livres”, de 0 a 39.
Entre os 65 países avaliados pela Freedom House considerados parcialmente livres em relação à internet, o Brasil aparece na quinta colocação, atrás de Quênia, Colômbia, Filipinas e Angola. Em 2018, o Brasil era o segundo dessa lista, ficando a apenas um ponto das nações consideradas livres.
O motivo da piora da situação no Brasil, segundo o relatório, é basicamente o aumento de notícias falsas, imagens adulteradas e teorias conspiratórias espalhadas em plataformas como o YouTube e o WhatsApp.
O relatório afirma que as eleições presidenciais de 2018 foram “um momento decisivo para a interferência digital em eleições no país”. O relatório cita ciberataques a jornalistas, entidades governamentais e usuários politicamente engajados e afirma que a manipulação nas redes sociais atingiu “novos patamares”.
“Jair Bolsonaro e seu movimento de extrema direita acumularam um grande número de seguidores ao espalharem teorias conspiratórias no YouTube”, exemplifica o texto. No WhatsApp, foi empregado um software especial para “adicionar automaticamente destinatários a uma rede de grupos coordenados”.
O relatório ainda afirma que apoiadores do atual presidente e então candidato Bolsonaro “espalharam rumores homofóbicos, notícias enganosas e imagens adulteradas”. Segundo o texto, administradores de grupos no WhatsApp lançaram “memes enganosos” tendo como alvo o principal oponente de Bolsonaro, Fernando Haddad.
“Grupos empresarias locais alegadamente financiaram uma campanha de desinformação no WhatsApp contra o oponente de Bolsonaro, numa aparente violação das regras de financiamento da campanha”, ressalta a ONG.
Em junho do ano passado, quatro meses antes das eleições presidenciais, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) firmou um pacto com empresas de tecnologia e associações de empresas de comunicação a fim de combater a disseminação de “fake news” que pudessem influenciar o pleito. “Apesar desses esforços, a desinformação política alcançou um novo grau de intensidade”, destaca o relatório.
Em outubro, após confirmar presença no segundo turno contra Bolsonaro, Haddad propôs um acordo com o adversário para combater a divulgação de notícias falsas. Além de negar o acordo, Bolsonaro chamou o rival de “canalha”.
China de um lado, Islândia do outro
O relatório “Liberdade na Rede 2019” reúne dados de 65 países, que representam 87% dos 3,8 bilhões de usuários de internet de todo o planeta. Curiosamente, deste total, mais de 1,5 bilhão (39%) vivem em três países de resultados bem distintos: China (pior colocada entre todas nações, com apenas 10 pontos), Índia (parcialmente livre, 55 pontos) e Estados Unidos (livre, 77 pontos).
Os americanos caíram no ranking pelo terceiro ano consecutivo, devido à política mais dura de imigração do governo do presidente Donald Trump. “As agências de aplicação da lei e de imigração expandiram sua vigilância do público […] As autoridades monitoraram cada vez mais as plataformas de mídia social e realizaram buscas sem mandado nos dispositivos eletrônicos dos viajantes”, diz o relatório.
Na ponta inversa à da China aparece a Islândia, considerado o país onde o uso da internet é o mais livre. Com 95 pontos, ela é seguida por Estônia (94), Canadá (87), Alemanha (80), Austrália e Reino Unido (ambos com 77).
Na América do Sul, a Argentina é a melhor colocada, com 72 pontos. Assim como o Brasil, Equador (61) e Colômbia (67) também figuram na lista dos parcialmente livres.
Um novo recorde também chama a atenção. Dos 65 países observados desde junho de 2018, 47 registraram detenções de usuários da internet devido a manifestações políticas, sociais ou religiosas. Segundo a Freedom House, 56% do total de usuários mundo afora habitam lugares onde conteúdos políticos, sociais e religiosos foram bloqueados.
Outro dado que surpreende negativamente é que 65% dos usuários vivem em países onde, desde junho de 2018, indivíduos foram atacados ou mortos devido a atividades online. E 46% estão em nações onde autoridades desconectaram a internet ou redes móveis, frequentemente por razões políticas e restringiram o acesso às mídias sociais, ainda que temporariamente.
Mais de 70 analistas participaram da edição deste ano do relatório. Como metodologia, eles utilizaram um questionário com 21 perguntas referentes a acesso à internet, liberdade de expressão e questões de privacidade. (Com Deutsche Welle)