Segunda instância: ignorando a lógica jurídica, senadores tentam ultrajar cláusula pétrea da Constituição

Ultrapassa com excepcional folga as fronteiras do absurdo a ação de alguns senadores tentar mudar a Constituição Federal com o intuito de permitir a prisão após condenação em segunda instância, assunto que está em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) e deve ser concluído ainda nesta quinta-feira (7).

A investida do grupo de senadores mostra de maneira clara que o Parlamento é carente de legisladores, não sem antes confirmar que políticos aderem cada vez mais ao populismo barato para agradar os eleitores. Não importa o que a sociedade deseja em termos de punição aos transgressores da lei, pois é preciso que prevaleça, acima de tudo, o Estado de Direito e o respeito incondicional à Carta Magna.

A iniciativa dos senadores ganhou corpo após o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, afirmar, durante encontro com alguns parlamentares na quarta-feira (6), que a questão da prisão em segunda instância não é cláusula pétrea da Constituição.

Toffoli, que está a anos-luz de ser um gênio do Direito, pode pensar o que quiser e externar o próprio pensamento ao bel-prazer, mas qualquer ignaro em matéria constitucional sabe que a presunção de inocência, explicitada de maneira cristalina no artigo 5º, inciso LVII, da Carta não deixa dúvidas a respeito da necessidade do trânsito em julgado de sentença penal condenatória para a configuração da culpa.

Sendo assim, qualquer articulação para alterar a Constituição, seja por meio de emenda ou qualquer instrumento legislativo, não passa de absurdo jurídico defendido por quem defende o justiçamento, quando na verdade o que deveria ser alvo de defesa acirrada é a justiça.

Relatora de Proposta de Emenda à Constituição (PEC) sobre prisão após condenação em segunda instância, a senadora Selma Arruda (Podemos-MT) afirmou que encaminhará na próxima semana parecer para ser votado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).


Por outro lado, a presidente da CCJ, senadora Simone Tebet (MDB-MS), sofre pressão para pautar a matéria, mas isso, se acontecer, não garante que a PEC chegará ao plenário com chances de aprovação. Até porque, se aprovada, a PEC será declarada inconstitucional.

A relatora da PEC, que integra o grupo que entregou ao ministro Dias Toffoli em defesa da prisão em segunda instância, é defensora ardorosa desse escárnio jurídico que tenta-se impor à sociedade.
“Vamos conseguir galgar esse degrau. O Brasil vai conseguir sair dessa insegurança jurídica que nós vivemos hoje e vamos superar mais uma das crises causadas pela omissão do legislador ou pelo ativismo judicial, disse Selma Arruda.

A PEC, de autoria do senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), acrescenta trecho ao artigo 93 da Constituição: “decisão condenatória proferida por órgãos colegiados deve ser executada imediatamente, independentemente do cabimento de eventuais recursos”.

A obsessão pelo justiçamento que toma conta do País é tamanha, que até mesmo senadores alegam que a não prisão após condenação em segunda instância configura insegurança jurídica, quando a realidade é o contrário.

Não se trata de defender corruptos, como alegam os mais exaltados e coléricos, mas de exigir que a Constituição seja cumprida sem direito a qualquer devaneio interpretativo.

Lamentavelmente, a opinião pública, movida pelo revanchismo ideológico regurgitado pelo presidente Jair Bolsonaro dias após dia, insiste em afirmar que o respeito à Constituição e à presunção de inocência é uma tentativa de beneficiar o ex-presidente Lula, como se no País não existissem pessoas comuns, sem notoriedade política ou assemelhada, atropeladas em seus direitos e garantias individuais apenas porque a fúria tomou conta de uma súcia de abduzidos.

Quem estiver em desacordo com o que prega a Carta Magna que se mobilize junto aos respectivos representantes para viabilizar a convocação de uma Assembleia Constituinte, com o fim específico de mudar o texto constitucional vigente. O pior dos mundos, esse que vivemos no Brasil de hoje, é quando um legislador se dispõe a atropelar a lei.