Escândalos e incongruências marcam a mineração brasileira, mas Bolsonaro finge não enxergar

Jair Bolsonaro chegou ao Palácio do Planalto apenas porque durante a corrida presidencial apresentou-se à parcela incauta do eleitorado como versão tropical de Don Quixote, disposto a lutar com tenacidade contra a corrupção e os desmandos no âmbito do Estado. Jogando para a plateia, até porque assim reza a cartilha de qualquer populista, Bolsonaro tentou ludibriar a opinião pública com o discurso mambembe da “velha política” e do escambo com o Parlamento.

É importante salientar que somente alguém que desconhece as entranhas da política nacional é capaz de acreditar nesse palavrório tosco e não merece um grama de crédito. Quando o UCHO.INFO, por diversas vezes, afirmou que Jair Bolsonaro, além de despreparado, é o que conhecemos como “mais do mesmo”, a milícia digital que o apoia levantou-se com fúria para colocar em cena, em todas as ocasiões, o revanchismo ideológico. É compreensível que a sociedade sonhe com mudanças, mas que isso ocorra de forma verdadeira e sem rapapés de bastidores.

Discursando diariamente em favor do equilíbrio fiscal, da contenção de gastos e da melhor distribuição de recursos entre estados e municípios, integrantes do governo esforçam-se para ignorar um setor que poderia certamente resolver boa parte das dificuldades nacionais, talvez a totalidade deles. Trata-se do setor de mineração, que precisa ser levado a sério e cujo controle no âmbito do governo precisa mudar de mãos. O que se vê na mineração brasileira no escopo oficial é uma repetição do vício que predominou durante décadas, quiçá ao longo de séculos.

Considerando que na política, em especial na brasileira, inexistem coincidências e sobram mal-intencionados, durante anos o UCHO.INFO dedicou-se a mostrar, por meio de matérias jornalísticas certeiras, a chaga que há muito corroía o segmento minerário do País, com decisões nada republicanas sendo tomadas por apaniguados de políticos cujos currículos falam por si. Além disso, destacamos nas mencionadas reportagens que representantes do setor privado davam as cartas – e continuam dando – na mineração verde-loura, favorecendo grupos empresariais e impedindo que valores estratosféricos deixassem de aterrissar nos cofres públicos.

Substituído pela Agência Nacional de Mineração (ANM), o extinto Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), órgão que integrava a estrutura do Ministério de Minas e Energia, era uma reunião de apadrinhados que, cumprindo ordens de seus tutores, cumpriam ordens no mínimo absurdas, não sem antes atentar contra o Estado.

A gazeta moralista que o presidente Jair Bolsonaro insiste em despejar diariamente sobre a opinião pública não passa de cortina de fumaça para desviar a atenção dos incautos, impedindo que vislumbrem a realidade como de fato é: dura e assustadora. Conchavos e favorecimentos tornaram-se algo comum no finado DNPM, prática que parece ter migrado, com mala e cuia, para a Agência Nacional de Mineração, que deveria regular o setor, mas na verdade parece gerenciar um lupanar de interesses escusos.

Quando passou a abusar do “coitadismo”, incursão emoldurada por declarações sobre assepsia política na estrutura do próprio governo, Bolsonaro tentou naquele momento evitar que a verdade viesse à tona. Enquanto isso, temas relacionados à mineração não demoraram a engrossar o discurso presidencial, sendo que o chefe do Executivo age como bonce de ventríloquo. Para quem cultiva intimidade com a política sabe que essa prática é nociva e leva o Estado ao atraso. E quem tiver dúvidas a respeito que confira o resultado de décadas de desmandos.

Se a Agência Nacional de Mineração, quando citada em declarações oficiais ou setoriais, arrasta indevidas pompa e circunstância, como se fosse uma reunião de insurretos defensores da pátria, nos seus subterrâneos é uma temerária usina de compadrios, a qual remete a tempos passados e obscuros.

É desnecessária qualquer dose adicional de massa cinzenta para perceber que a ANM está longe de ser uma espécie de sacristia da igreja mais próxima, tamanha é a quantidade de suspeitas que pairam sobre o órgão. A conferir: ex-diretor-geral do DNPM, Victor Hugo Bicca, que atualmente comanda a Agência, chegou ao posto atual por conta da indicação de Eliseu Padilha (MDB), ex-ministro-chefe da Casa Civil o governo Temer, que enquanto esteve no Palácio do Planalto foi ricamente municiado com as nossas reportagens acerca de irregularidades no DNPM. É bom ressaltar que o então presidente Michel Temer recuou na questão da Reserva Nacional do Cobre depois que este noticioso se aproximou perigosamente dos escândalos que comprometem a mineração.

Contudo, Bicca não chegou ao cargo máximo da ANM apenas na esteira da indicação de Padilha, mas a reboque, também, do apoio do ex-deputado federal Leonardo Quintão e do deputado Mauro Lopes, ambos fervorosos defensores dos interesses das mineradoras. Quintão, que tentou participar do governo Bolsonaro através de cargo na Casa Civil, com as bênçãos de Onyx Lorenzoni, teve a nomeação descartada em decorrência de reportagens deste portal.

Outro diretor da ANM que chegou ao cargo à sombra de indicação é Tasso Mendonça Júnior. Funcionário da Petrobras desde a década de 90, o que de chofre deveria ser um impeditivo para participar da direção da Agência, foi indicado pelo ex-senador e ex-governador Marconi Perillo (PSDB) e do empresário da jogatina Carlos Augusto Ramos, conhecido nos bastidores do poder e das ilicitudes como “Carlinhos Cachoeira”. Coincidência ou não, o processo que exige a exoneração de Tasso Mendonça da Petrobras, que tramita no Congresso Nacional, está parado na escrivaninha do presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que de uns tempos para cá passou a buscar o protagonismo político, não sem antes mostrar-se servil ao Palácio do Planalto.

Também dirigente da ANM, Débora Toci Puccini foi indicada pelo ex-ministro Wellington Moreira Franco (MDB-RJ), que no governo Temer foi responsável pela Secretaria-Geral da Presidência. Ex-ministro de Minas e Energia, Moreira Franco teve sua indicação à Secretaria da Presidência questionada na Justiça, já que havia a suspeita de que a nomeação buscava garantir-lhe foro privilegiado, uma vez que seu nome foi citado 34 vezes no âmbito da Operação Lava-Jato pelo delator Cláudio Mello Filho, ex-diretor da Odebrecht.

Geóloga, Débora Puccini foi diretora de Mineração e Meio Ambiente do Serviço Geológico do Estado do Rio de Janeiro (DRM-RJ), mas sua indicação à ANM foi questionada e suspensa, à época, pela Comissão de Infraestrutura do Senado, após senadores descobrirem que ela é ré na Justiça por emitir parecer omitindo, segundo a denúncia, o impacto ambiental de um terminal portuário em Maricá, no litoral fluminense. Na ocasião, a assessoria de Puccini alegou que o caso em questão não configurava empecilho para que ela assumisse cargo na ANM, mas apenas no DRM-RJ.


Engenheiro ambiental, Eduardo Araújo de Souza Leão chegou à diretoria colegiada da ANM pelas mãos do ex-senador paraense Flexa Ribeiro e do ex-governador do Pará, Simão Jatene, ambos do PSDB. Para coroar a indicação, Eduardo Leão é ex-funcionário da mineradora Vale.

Padrinho político de Leão, o ex-senador Flexa Ribeiro foi acusado de utilizar recursos da verba indenizatória do Senado no pagamento de alugueres à construtora Engeplan Engenharia e Planejamento, da qual foi sócio até 2004. À época dos fatos, o então senador não mais figurava oficialmente como sócio da empresa, mas na declaração de bens entregue à Justiça Eleitoral, em 2010, Flexa Ribeiro informou que era detentor de R$ 7,7 milhões em “crédito decorrente de alienação” da Engeplan. Ora, se alguém é credor de determinada empresa, como informo Ribeiro, não havia razão para o pagamento de aluguel à construtora, principalmente com dinheiro público.

Em novembro de 2004, Flexa Ribeiro e mais 27 empresários e políticos foram presos pela Polícia Federal (PF) no âmbito da Operação Pororoca. A PF acusou os investigados de fraudes em licitações, ocorridas no Amapá e no Pará. Uma das empresas beneficiadas pelo esquema criminoso foi a Engeplan. Coisas da política brasileira.

Flexa Ribeiro conquistou cadeira no Senado por ser suplente do titular do então senador Duciomar Costa, que renunciou ao mandato após eleição para a prefeitura da capital paraense, Belém. Flexa Ribeiro, assim como muitos “paraquedistas” que existem no Parlamento, não fugiu aos mandamentos dos empresários que usam o financiamento de campanhas eleitorais para ingressar na política.

Sobre o ex-governador Simão Jatene, do Pará, o cenário não é tão diferente quando o assunto é escândalo. Em30 de abril de 2019, a Auditoria Geral do Estado do Pará (AGE) solicitou a prisão preventiva de Jatene por supostos desvios de verbas do programa “Asfalto na Cidade”, lançado em 2012 com o objetivo de atender a 129 municípios paraenses.

O advogado Tomás Antônio Albuquerque de Paula Pessoa Filho, indicado à Agência Nacional de Mineração pelo ex-senador Eunício Oliveira (MDB-CE), só chegou à diretoria colegiada do órgão fiscalizador da mineração porque o então deputado federal Leonardo Quintão, no apagar das luzes de 2018, derrubou trecho da Medida Provisória 791/2017, editada pelo governo Temer, que exigia que os diretores da ANM tivessem experiência profissional de, no mínimo, dez anos na área de mineração ou quatro anos ocupando cargos de direção em empresa do setor. Os indicados, segundo texto da MP que foi suprimido por Quintão, poderiam ter ocupado cargo comissionado DAS-4 (um dos mais altos do serviço público) ou atuado como docente ou pesquisador na área, além de formação acadêmica compatível.

Leonardo Quintão disse naquele momento que a retirada do trecho da MP que tratava das exigências para os indicados se deveu à necessidade de adequar as qualificações exigidas dos diretores da ANM às das demais agências reguladoras. Um projeto de lei que tramita há anos no Congresso exige qualificação e experiência mínima dos dirigentes das agências e impede a recondução ao cargo, sem que tenha sido aprovado até agora.

Antes de ser indicado pelo emedebista Eunício Oliveira à diretoria da ANM, Tomás Albuquerque foi deputado estadual pelo Ceará e ao MDB. Resumindo, a indicação em pauta foi fruto do que se conhece no cotidiano como “ação entre amigos”.

Enquanto Quintão e o deputado federal Mauro Lopes trabalham nos bastidores em favor das empresas mineradoras – a atividade é legal desde que não pontuada por ilícitos –, o ex-senador Romero Jucá (MDB-RR) da noite para o dia passou a se interessar por assuntos relacionados à mineração, o que levou o emedebista a abrir movimentado escritório em Brasília.

O UCHO.INFO sente-se na obrigação de ressaltar que, por defender a aplicação da lei em sua inteireza, sem direito a interpretações pontuais e de conveniência, é mais do que necessário preservar o princípio da presunção de inocência, definido de forma clara na Constituição de 1988 no artigo 5º, inciso LVII: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Isso posto, todos os escândalos acima descritos, envolvendo padrinhos e apadrinhados, não remetem a eventual culpa – apenas destacam suspeitas – nem colocam em xeque a idoneidade dos envolvidos.

Apesar de defender o preceito constitucional da presunção de inocência, este portal entende que no trato da coisa pública, em qualquer situação, deve prevalecer a essência do ditado romano que tinha como cerne a segunda esposa do imperador Júlio César, Pompéia Sula, a quem não bastava ser honesta, mas parecer com tal.

Para um presidente da República que, enquanto candidato, bradou intransigência na seara da coisa pública, um ambiente quase espúrio, como o da mineração brasileira, não pode contar com a aquiescência do Estado. Como diz a sabedoria popular, “quem cala, consente”.

Ademais, se Bolsonaro quer dar tratos de seriedade e competência ao setor minerário – não parece ser sua intenção quando dá ouvidos aos garimpeiros ilegais que têm degradado a Amazônia – não se pode deixar as questões da mineração sob a batuta de um almirante – Bento Albuquerque, ministro de Minas e Energia – e de um ex-juiz federal com atuação na Operação Lava-Jato – Alexandre Vidigal de Oliveira, responsável pela Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral do MME. Afinal, o primeiro entende de mar, o segundo, de punir criminosos.