Discursos de Trump e Khamenei mostram que crise no Oriente Médio está longe de acabar

Que ninguém se fie no discurso estudado e milimetricamente preparado do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre o conflito com o Irã, pois a crise no Oriente Médio, que tornou-se mais acirrada após a morte do general iraniano Qasem Soleimani, está longe de acabar.

Em pronunciamento na tarde desta quarta-feira (8) – horário brasileiro – Trump surgiu em cena como vencedor de uma guerra que sequer aconteceu. De igual modo, o presidente americano falou em paz e defendeu o direito do povo iraniano de viver em um país livre e desenvolvido, como se a população do país persa quisesse as sugestões do mandatário ianques. A falácia de Trump ficou evidente quando o discurso migrou para a questão das novas sanções econômicas que serão impostas ao Irã.

Mais cedo, antecipando um contraponto ao pronunciamento de Trump, o líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, provocou a Casa Branca ao afirmar que os ataques da Guarda Revolucionária deflagrados nas primeiras horas desta quarta-feira (horário iraquiano) foram “um tapa na cara” dos americanos, ressaltando que “ações militares não são suficientes”. Para Khamenei, a “corrupta presença dos EUA na região deve chegar ao fim”.

Ao presidente Donald Trump interessa esse discurso aparentemente parcimonioso por duas razões. Em primeiro lugar, o Congresso americano não viu com bons olhos a decisão de Trump de bombardear o Iraque sem consultar o Parlamento. Como o Congresso é palco de um processo de impeachment contra o presidente americano, o melhor que Trump poderia fazer no momento era adotar um discurso morno para não abrir novas frentes de conflitos.

Em segundo lugar, o palavrório visguento e malemolente de Trump serviu para conter os efeitos colaterais de uma estratégia política que, de chofre, parece ter falhado. Em busca da reeleição, o presidente americano imaginou que atacando o Iraque e eliminando Soleimani, a quem chama de terrorista, conseguiria unir a opinião pública dos EUA em torno de sua tentativa de permanecer mais uma temporada na Casa Branca.

Por outro lado, o discurso provocador de Khamenei também interessa ao Irã, já que o governo de Teerã vinha enfrentando nos últimos meses protestos. Com o assassinato de Qasem Soleimani e a retomada do mantra “morte aos EUA”, a população iraniana se uniu em defesa do país e temporariamente esqueceu o dissenso.

É importante ressaltar que o Parlamento iraquiano aprovou, a pedido do primeiro-ministro do país, a imediata retirada de tropas estrangeiras do Iraque. A medida tem como objetivo a saída das tropas americanas do território iraquiano. Trump afirmou, na última segunda-feira (6), que os EUA só deixariam as bases americanas se o Iraque pagasse pelas instalações.

Desrespeitar a decisão do Parlamento iraquiano representará violação da soberania do Iraque, ao mesmo tempo em que colocará o primeiro-ministro Adil Abdul-Mahdi em situação de dificuldade, que poderá, inclusive, enfrentar uma reação popular. Não se pode ignorar o fato que a maioria da população é xiita e aliada do Irã, o que provocaria acirramento das tensões na região caso os EUA não deixassem o país.

Além disso, o Irã está em posição “confortável”, pois caso queira reagir à intolerância americana precisará apenas acionar seus aliados mais radicais na região, como o Hezbollah, no Líbano; o Hamas e a Jihad Islâmica Palestina, na Faixa de Gaza e na Cisjordânia; os Houthis; no Iêmen; e milícias xiitas no Iraque, Síria e Afeganistão.

Por outro lado, se a coalizão de forças internacionais for desfeita, o grupo terrorista “Estado Islâmico”, o Daesh, poderá ressurgir na região, colocando o Oriente Médio, mais uma vez, debaixo de incertezas e tragédias humanas. O que não se consegue à base do diálogo, não se consegue na esteira da força. Trump, ao que parece, é adepto da segunda solução.