Deve redobrar a atenção quem respirou aliviado depois do recuo do presidente Jair Bolsonaro em relação à não criação do Ministério da Segurança Pública, o que tiraria poder do ministro Sérgio Moro e poderia fazer com que o titular da Justiça levasse adiante a promessa de deixar o governo.
O cabo de guerra que se formou entre Bolsonaro e Moro – e ganhou corpo nos últimos dias – está longe do fim, já que o ex-juiz da Lava-Jato, interessado cada vez mais em ocupar o principal gabinete do Palácio do Planalto, percebeu a fragilidade política do presidente da República.
Bolsonaro, que está em viagem oficial à Índia, foi convencido por auxiliares a amenizar o discurso em relação à desidratação da pasta comandada por Moro, mas não descartou a possibilidade de isso ocorrer mais adiante. Afinal, o presidente usou o termo “por enquanto” quando falou sobre o tema.
Se o recuo custou caro para Bolsonaro, que desgastou ainda mais a imagem de um político fraco e que vive à sombra do populismo tosco e de promessas impossíveis de serem cumpridas, para Moro a decisão do presidente lhe deu ânimo para acirrar ainda mais a disputa, que até recentemente vivia de lampejos públicos, enquanto o embate nos bastidores corria à solta.
Nesta segunda-feira (27), Moro afirmou que, em 2018, por ocasião do convite para integrar a equipe de governo, Bolsonaro assumiu o “compromisso” de integrar as ações de Justiça e de Segurança Pública no “superministério”.
“Foi o compromisso que eu e Bolsonaro fizemos em 1º de novembro quando ele me convidou”, disse Moro após ser questionado sobre ações de Segurança Pública no programa Pânico, da Rádio Jovem Pan.
“Fui convidado, falei com ele que os ministérios da Justiça e da Segurança Pública (eram separados no fim do governo Temer) têm uma série de atribuições, mas o foco principal tem que ser o combate à criminalidade organizada, corrupção e criminalidade violenta. Essa era a ideia dele também”, emendou o ministro.
A declaração do ministro difere da afirmação de Bolsonaro sobre uma possível criação do Ministério da Segurança Pública. “Se for criado, aí o Moro fica na Justiça. É o que era inicialmente. Tanto é que, quando ele foi convidado, não existia ainda essa modulação de fundir (a Justiça) com o Ministério da Segurança”, declarou o presidente na última semana, antes de voltar atrás.
O ministro Sérgio Moro poderia não repercutir ainda mais o assunto na imprensa, mas preferiu fermentar a polêmica porque é clara sua intenção de concorrer ao Planalto, apesar de afirmar que seu compromisso é apoiar a reeleição de Bolsonaro em 2022.
“Ele (Bolsonaro) deve uma declaração categórica de que a chance era zero. Para mim, está encerrado. Pode ser que no futuro distante, possa se cogitar isso (dividir o ministério). Não acho uma ideia muito boa. Falei com parlamentares da bancada da bala – da bancada da segurança pública, perdão… (Falei) que os ministérios são mais fortes juntos do que separados”, disse Moro aos entrevistadores.
Na última sexta-feira (24), o presidente Bolsonaro disse que não precisa “fritar” ministro para demitir, mas deveria ter exercido seu poder no caso envolvendo Sérgio Moro, pois ao recuar mostrou fraqueza política, o que poderá lhe custar caro de agora em diante, principalmente no Congresso Nacional, onde o ex-juiz tem mais apoio do que o próprio presidente da República. Em suma, deveria ter dito a Moro que a porta da rua é serventia do governo.
Moro, que irresponsavelmente foi guindado à condição de herói por parte da opinião pública, apenas porque violou a legislação vigente para condenar corruptos e abrir caminho para seu canhestro projeto de poder, decidiu “pagar para ver”. O ministro da Justiça pode ter adotado a estratégia de “esticar a corda” para aguardar o momento adequado para deixar o governo na condição de vítima, carregando na bagagem muito mais informações policiais do que Bolsonaro gostaria. O resultado dessa queda de braços entre o presidente e o ministro, que não acabará tão cedo, é incerto, mas por enquanto o dono da caneta é Jair Bolsonaro.