Se há no universo da política uma premiação para a incompetência, certamente o governo de Jair Bolsonaro puxa a fila dos candidatos ao troféu. Quando, na última sexta-feira (31), esquivou-se de responder perguntas sobre a possibilidade de repatriar brasileiros residentes na cidade chinesa de Wuhan, epicentro do surto do novo coronavírus, o presidente da República deixou patente que sua gestão é um fiasco permanente que se sustenta sobre uma fileira de factoides.
Pressionado no último final de semana pelos brasileiros que vivem em Wuhan, que divulgaram na internet um apelo ao governo brasileiro em forma de carta-aberta, Bolsonaro não teve outra saída que não concordar com a repatriação dos compatriotas que tentam fugir do coronavírus. Outros países não hesitaram em retirar seus cidadãos da China, mas Bolsonaro precisou de um empurrão da opinião pública para se decidir.
Sem saber como sair da “saia justa”, Bolsonaro disse que antes de tomar qualquer decisão precisava conversar com os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, Davi Alcolumbre e Rodrigo Maia, respectivamente, que de chofre garantiram que o parlamento aprovaria em tempo recorde qualquer medida para garantir a operação.
Depois de 28 anos na Câmara dos Deputados, Jair Bolsonaro parece não ter compreendido o objetivo de uma Medida Provisória, que, de acordo com a Constituição Federal (artigo 62), só pode ser editada com base nos pressupostos da urgência e da relevância. E o caso da repatriação dos brasileiros que residem em Wuhan se encaixa perfeitamente no texto constitucional. Bastava o presidente da República acionar alguém da Subchefia de Assuntos Jurídicos, que antes fazia parte da agora esvaziada Casa Civil, e editar uma MP específica.
Como o ano é de eleição e ninguém quer perder qualquer dividendo político, por menor que seja, surgiu a ideia de o governo enviar ao Congresso um projeto de lei que trata sobre a quarentena sanitária, que seria votado em regime de urgência. O texto chegou ao Parlamento, mas até a necessária aprovação, os brasileiros que precisam sair da China o quanto antes continuarão esperando enclausurados.
Diante desse cenário de incertezas, o Ministério da Saúde anunciou nesta terça-feira (4) que retirará os brasileiros da China sem a aprovação do projeto de lei enviado ao Congresso. “Devemos estar preparados para as duas situações. Se for aprovado (o projeto de lei), ótimo. Se não for aprovado, temos nossas alternativas”, declarou o secretário-executivo do Ministério da Saúde, João Gabbardo, durante entrevista à imprensa. “Não vamos criar nenhum tipo de pressão sobre o Legislativo”, afirmou.
O presidente da Câmara dos Deputados, por sua vez, afirmou que o plenário da Casa não deve fazer muitas alterações no projeto de lei. Contudo, Rodrigo Maia disse desconhecer o “teor” do texto encaminhado pelo Executivo nesta terça-feira.
“Vamos votar a matéria hoje porque é urgente. Essa é uma decisão. Disse ao governo ontem (na segunda-feira) que medida provisória levaria duas semanas, com muita boa vontade. Projeto de lei poderia ser votado no mesmo dia, é o que vamos fazer” disse.
Uma Medida Provisória entra em vigor, com força de lei, na data da sua edição e tem vigência de sessenta dias, prazo que pode ser prorrogado. Caso não seja votada pelo Congresso em até 45 dias, a contar da data da sua edição, a MP passa a trancar a pauta de votações da Casa legislativa em que se encontrar.