Ao desafiar governadores no caso do ICMS sobre combustíveis, Bolsonaro confunde governo com gincana

Que Jair Bolsonaro é movido pela incompetência o universo está cansado de saber, mas a fanfarronice que marca seus discursos populistas chega a ser torpe. Sem qualquer conhecimento de como funciona o Estado, como um todo, o presidente da República confunde governar um país com gincana. Ao desafiar os governadores a zerarem os impostos incidentes sobre os combustíveis, sob a promessa de fazer o mesmo, Bolsonaro não apenas confirma ser um néscio em termos de economia, mas reforça a tese de que sua capacidade de raciocínio é próxima de zero.

Ao propor a retirada dos impostos sobre os combustíveis (gasolina e diesel), Bolsonaro demonstra desconhecimento das questões tributárias, pois o governo federal não tem condições de abrir mão da arrecadação em questão. No momento em que o governo gazeteia País afora o esforço em busca do equilíbrio fiscal, falar em zerar os impostos sobra a gasolina e o diesel é coisa de amador. Por certo, o presidente sequer consultou a equipe econômica antes de vociferar tamanha sandice.

No tocante aos estados, querer que os governadores zerem o ICMS incidente sobre os combustíveis é decretar a falência de todos as unidades da federação, muitas delas já se equilibrando sobre o “fio da navalha” das contas públicas. Apenas para exemplificar, muitos dos serviços prestados pelos governos estaduais, como saúde, segurança e educação, dependem da arrecadação do ICMS. As universidades estaduais, por exemplo, têm seus orçamentos atrelados diretamente ao ICMS.

É público e notório que Jair Bolsonaro carrega o DNA do despotismo, mas querer quebrar a unidade federativa apenas para levar adiante um discurso populista e rasteiro é caso de polícia. É preciso que o Congresso Nacional reaja à altura a essa investida descabida do presidente da República, pois o País avança cada vez mais na direção do retrocesso e do obscurantismo. Não restam dúvidas a respeito do projeto de reeleição de Bolsonaro, mas pretender aniquilar seus eventuais adversários para 2022 levando à bancarrota alguns estados é inaceitável.

Por outro lado, não merece crédito um governo que aceita ser refém de uma categoria profissional. Quando, ainda no governo Temer, decidiram parar o País na esteira de uma greve irresponsável e criminosa, os caminhoneiros contaram com o apoio da “direita xucra” (o termo é da lavra do jornalista Reinaldo Azevedo), que atuou nos bastidores na esperança de colocar a opinião pública contra o status quo.

Com a chegada de Bolsonaro ao Palácio do Planalto, o governo tornou-se refém dos caminhoneiros, que ameaçam paralisar o País novamente caso os preços dos combustíveis não sejam reduzidos. A contrapartida oficial, pífia, é bom ressaltar, foi manter a tabela mínima de frete, algo que levou o empresariado a retomar as frotas próprias, deixando os transportadores à beira da estrada. Diante da iminência permanente de uma nova greve, o governo Bolsonaro recorre a investidas populistas, como se os problemas nacionais pudessem ser solucionados dessa maneira.

Fosse minimamente responsável, Bolsonaro chamaria todos os governadores para discutir a reforma tributária, única solução para recolocar o Brasil nos trilhos do crescimento econômico. No que tange aos impostos incidentes sobre a gasolina e o diesel, somente a reforma tributária, cuja responsabilidade o governo já terceirizou para o Congresso Nacional, será capaz de desatar um nó que cada vez está mais apertado.

Economista e ex-deputado federal, Luiz Carlos Hauly é autor de uma das propostas de reforma tributária que tramita no Congresso, talvez a mais lógica e importante entre todas. Hauly destaca que o ICMS recolhido não vai apenas para os estados, o que sepulta essa fanfarronice do presidente da República de zerar o tributo. “75% do ICMS vai para os estados e os outros 25% para as prefeituras. E desses 75% dos estados, uma parte vai para os poderes, o Judiciário, o Legislativo, o Tribunal de Contas. São muitos sócios desses recursos”, explica Luiz Carlos Hauly.

Na opinião de Hauly, o problema do preço dos combustíveis já estaria solucionado se a reforma tributária tivesse sido aprovada. “Sem a reforma, resta ao governo federal reduzir os impostos incidentes sobre os combustíveis que ele recebe. E o que ele tem? Ele tem PIS-Cofins, tem CIDE, tem o imposto de renda do lucro das empresas do setor e dividendos da Petrobras, empresa da qual ele é acionista majoritário. Mas aí a União vai perder arrecadação.”

Como sempre acontece desde que chegou ao Palácio do Planalto, Bolsonaro perdeu a oportunidade de ficar calado, mas pelo fato de acreditar ser o último gênio da raça insiste em despejar sobre a opinião pública seus destampatórios, apenas porque uma parcela da população lhe aplaude sem saber o motivo dessa maluquice.