Morte de médico que alertou sobre coronavírus causa revolta na China

A morte, pelo novo coronavírus, de um médico chinês que havia sido punido por emitir um alerta sobre a doença desencadeou uma onda de luto no gigante asiático, na sexta-feira (7), além de manifestações online de raiva e repúdio contra o governo chinês, algo raro no país.

Oftalmologista em um hospital de Wuhan, epicentro do surto doença respiratória, Li Wenliang tornou-se uma das figuras mais conhecidas da atual crise após revelar publicamente que foi um dos oito médicos repreendidos pela polícia da cidade chinesa no mês passado, após “espalhar boatos” sobre o coronavírus.

“Wuhan, realmente, deve desculpas a Li Wenliang. E as autoridades de Wuhan e de Hubei [província central chinesa cuja capital é Wuhan] também devem desculpas solenes à população de Hubei e deste país”, postou na plataforma chinesa Weibo (similar ao Twitter) Hu Xijn, o editor do “Global Times”, tabloide apoiado pelo regime.

A notícia da morte de Li, aos 34 anos, tornou-se o assunto mais lido no Weibo na sexta-feira, com mais de 1,5 bilhão de visualizações, e também estava sendo amplamente discutida em grupos privados de mensagens da plataforma WeChat, nos quais usuários expressaram indignação e tristeza.

Também há indícios de que discussões sobre a morte do oftalmologista estavam sendo censuradas, especialmente as mensagens críticas ao governo. Assuntos marcados com “a prefeitura de Wuhan deve desculpas ao médico Li Wenliang” e “queremos liberdade de expressão” chegaram aos “trending topics” no Weibo na noite de quinta-feira (6), mas não davam resultados em buscas efetuadas na sexta-feira.

Uma selfie de Li deitado no leito de hospital no início da semana, com uma máscara de oxigênio e mostrando sua carteira de identidade chinesa, está sendo amplamente compartilhada.

O caso do médico é controverso para a liderança chinesa após Pequim ser acusada de encobrir informações sobre o real alcance da Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars) em 2003. Autoridades pediram transparência durante a crise do novo coronavírus.

As autoridades locais de Hubei e Wuhan já haviam sofrido críticas inéditas e sem censura nas últimas semanas por, aparentemente, terem minimizado o tamanho do surto. Enquanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) e especialistas elogiaram a China por suas medidas decisivas para conter o vírus, críticos dizem que o governo local perdeu muito tempo com falta de ação.

A revolta contra a morte de Li parece ter pegado o aparato de propaganda do governo central chinês, rigorosamente controlado, de surpresa. Nas últimas semanas, instâncias de censura haviam liberado os usuários para criticarem autoridades de Hubei livremente – uma decisão que, segundo analistas, focou a atenção da população nos políticos locais em vez do governo central.

 
Porém, após a morte do médico, as críticas ultrapassaram a raiva direcionada aos representantes locais, sendo que os usuários passaram a criticar a natureza do próprio regime comunista. Relatos sobre a morte de Li apareceram em veículos estatais antes da meia-noite de quinta-feira (horário chinês), foram removidos, mas voltaram a ser publicados na manhã de sexta. O hospital de Wuhan, onde o oftalmologista trabalhava, divulgou em sua conta no Weibo que ele morreu às 02h58 da manhã desta sexta.

A Comissão Central da China para Inspeção de Disciplina, que pune casos de corrupção de autoridades, afirmou que enviaria investigadores a Wuhan para apurar “temas levantados pela população em conexão com o Dr. Li Wenliang”, sem dar maiores detalhes.

A Organização Mundial da Saúde afirmou através do Twitter estar “profundamente triste” com a notícia da morte do médico. A Comissão Nacional de Saúde da China e o governo regional de Wuhan também emitiram declarações de condolências.

Em dezembro passado, Li disse a um grupo de médicos pelo aplicativo de mensagens WeChat que sete casos de uma doença semelhante à Sars havia sido ligada a um mercado de frutos do mar em Wuhan.

Acredita-se que o mercado seja a fonte da transmissão do vírus para seres humanos. Segundo a agência Reuters, Li postou uma foto do resultado de testes confirmando um coronavírus “semelhante ao da Sars” numa amostra de um paciente.

Uma carta da polícia com data de 3 de janeiro endereçada a Li dizia que ele havia “perturbado seriamente a ordem social” com suas mensagens. As autoridades pediram para que ele abandonasse imediatamente o comportamento ilegal. Caso contrário, seria indiciado. Em mensagem publicada no Weibo, Li divulgou que foi obrigado a assinar a carta. No dia 1º de fevereiro, ele informou ter sido infectado com o coronavírus.

Desde 11 de janeiro, data do anúncio da primeira morte, até o momento, a China registrou mais de 630 mortes e mais de 30 mil pessoas infectadas.

Na sexta-feira, o Japão anunciou mais 41 casos do coronavírus a bordo do cruzeiro Diamond Princess. O país recusou a entrada de outro cruzeiro de luxo com o aumento dos casos no mundo.

Cingapura, por sua vez, aumentou o nível de alerta depois que o número de casos de coronavírus subiu para o mesmo nível que o país registrou na época da Sars: 33. Nesta sexta, o país confirmou três casos adicionais (incluídos nos 33) que não têm ligação com infecções anteriores ou com viagens à China. (Com agências internacionais)